quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Cultura Gótica, a Literatura e as Confusões

Caros leitores do Sacrário das Plangências, este post parece-me extremamente importante, tendo em vista que o termo "Gótico" tornou-se corriqueiro nos dias atuais. Pergunto-me, porém, faz-se justiça ao real sentido do termo "Gótico"?

Em qualquer busca em dicionários, o termo "Gótico" é definido como "Relativo aos Godos", ou "bárbaro". Resumindo-se, e sem muita ênfase em tal parte, o povo Godo, de origem Germânica, foi conhecido por atacar o Império Romano por volta do Século IV, sendo muito conhecido pela crueldade de seus ataques. Daí a derivação "bárbara" do termo "Gótico".

Continuando com a análise, por enquanto, bem longe dos tempos atuais, na Idade Média, têm-se a construção das magníficas catedrais Góticas. Sabe-e que, diante das Românicas, elas eram

extremamente iluminadas e amplas. Mesmo que muitos analisem o sentido do nome "Gótico" em tal contexto como um sentido de fuga da arquitetura regente, ganha-se um significado também de, não somente bárbaro, mas "que traz mais luz", pois isso é que visavam os arquitetos das Góticas Catedrais, tal como moldarem suas torres em altíssimas e esplêndidas formas, para que "mais próximos de Deus" estivessem.

Dadas tais informações, volto-me a mente ao presente, ainda garimpando algumas coisas consideradas da "Cultura Gótica" por muitos que no passado foram escritas. Em jornais, revistas, TVs, enfim, em qualquer veículo de mídia vemos pessoas julgando obras como a saga "Crepúsculo", "Diários do Vampiro", "True Blood" (convenhamos, os livros pouco tem de atrativo comparados à série), entre outras, como a nova geração da Literatura e da Cultura Gótica. E tais veículos de mídia fazem propaganda à castidade de Edward, o vampiro-protagonista de Crepúsculo, como a nova geração de Românticos. Confundiu-se tudo, porém, nessas teorias da mídia.

Como já disse, o termo Gótico tem um sentido ambíguo, pois, inegavelmente, ganhou sentido de taciturno com o passar do tempo. Porém, não deixou de ter o sentido que tinha pelos tempos das Catedrais Góticas. Ao mesmo tempo do enegrecer, há a fulgência.

Quando a Cultura Gótica se tornou uma cultura de massa - já em seus primórdios como grupo-social - começou-se a fazer a confusão de que tudo "obscuro" envolvia o Gótico, e tal "Sociedade sub-urbana", acabou por incorporar autores, pintores, compositores, enfim, para o seu "repertório do movimento", que acabou se tornando grande. Tal osmose pelos góticos só aumentaria com a chegada dos controversos "neo-góticos".
Continuando nesse ponto, nem tudo que tem de temática vampiros, paixões e morte é gótico. Principalmente quando tais temas são tratados de formas simplórias e comerciais como tem sido por tais livros que foram citados aqui anteriormente.

Então vamos dividir em três subtítulos para eu ter a possibilidade de exemplificar o que seria, no meu conceito, e de especialistas que citarei no final o que seria, ou não, uma literatura gótica de fato. Soará estranha essa divisão, mas no final se encaixará perfeitamente:

Literatura Gótica de Amor: Falar de uma literatura gótica sem tratar de amor parece absurdo, e, de fato, é. E não necessariamente precisa-se misturar Morte e Amor, Sadismo e Amor, quando tratamos do Gótico. Mas, naturalmente, pelo estilo trágico de muitos autores, tais temas encontravam-se. Poemas de Amor por grandes Românticos, como Goethe, tal como sua obra inesquecível Os Sofrimentos do Jovem Werther (e, por favor, sem devaneios que várias pessoas se mataram por causa dele. Como já disse em outro post, discernimento é essencial para analisar poetas, escritores e o que envolve as suas obras). Porém, é só escapar um pouco da temática de amor e partir para a Clássica, que Goethe já foge do que poderíamos chamar duma literatura Gótica.
Outros, como Byron, Shelley, Keats, os brasileiros Álvares de Azevedo e Fagundes Varela, poderiam, tal como Goethe, ter grande parte de sua obra classificada como dentro dos parâmetros da Cultura Gótica. Mas, em TODOS esses poetas há obras que fogem totalmente da cultura gótica. Justo seria julgá-los como "Góticos"?

Literatura Gótica de Morte: Tal como os já citados acima, Castro Alves escreveu sobre amor, sobre morte - que lhe afligia tão prematuramente -, porém, ganhou fama por ser o "Poeta dos Cativos", em seus poemas a favor da abolição da escravatura. Em seu primeiro livro, e único publicado em vida, Espumas Flutuantes, há temáticas mórbidas tratadas de maneiras tão aflitivas quanto Álvares de Azevedo o fez. Tal como Cruz e Sousa, que a morte, abismos, infernos, o fatal destino da matéria humana cantava. Alphonsus de Guimaraens era sublime em seus cantos de Morte. Ele próprio julgava ser o "trovador do amor e da morte". Mas todos eles tinham grande parte de sua obra alheia à cultura.

Literatura Gótica Vampírica e de Terror: Agora sim parece que não há maneiras de se escapar de julgar a obra de determinado autor totalmente gótica. Tenhamos calma, porém. O livro em que há o maior número de elementos góticos, mesmo que tal "cultura" não existisse, é Drácula, de Bram Stoker. Lá há o terror, o suspense, a morte, os cemitérios, o amor (que Copolla pisou na bola ao exagerar e inventar praticamente uma nova história em sua versão cinematográfica do livro) e há sangue, que, pasmem, é inevitável a um filme de vampiro. Carmilla, de Le Fannu, uma das obras que, acredita-se, tenha servido de grande influência a Stoker para o seu Drácula, há o medonho, o lesbianismo e a primeira aparição na literatura de horror do símbolo "gato preto" (que sugava, no caso, o sangue de suas vítimas). Isso tudo, tenha-se em vista, no século XIX e XX. No caso de Frankenstein, de Mary Shelley, o horror causado foi por ele ter sido escrito por uma mulher.
O genial Edgar Allan Poe, com seus contos de terror e com suas poesias rebuscadas e lúgubres, sempre foi considerado um expoente da literatura gótica. Mesmo com sua vida repleta de polêmicas, muitas delas lendas criadas post-morten, não foi o túmulo em pessoa que muitos o julgam ter sido. Aliás, com o conto O gato preto, popularizou-se definitivamente tal símbolo na literatura de terror.
Vejam que estou analisando, somente, literatura não-contemporânea. Há, nos ventos atuais, a ótima Anne Rice, com suas Crônicas Vampirescas - já finalizadas, inclusive.

Em todos os livros que eu citei, há os elementos Gótico do horror, do amor, da morte - seja ela mortal ou não. Mas em todas esses livros, tais questões são dadas com pungência e profundidade que não vemos nos livros julgados góticos atuais.

Com exceção, talvez, no Vampirismo (mesmo assim, todos sabemos que lendas de seres que se alimentam de sangue humano existem há milhares de anos), os temas de Amor e Morte - e Horror, dado pelo suspense -, são tratados há tantos anos que julgá-los como exclusividade da Cultura Gótica é praticamente dar um conceito há obras que foram constituídas numa época cujo conceito sequer existia.
A pergunta feita em itálico na "literatura gótica de amor" não foi ao acaso. Dando o exemplo de Álvares de Azevedo, como pudemos ver na postagem "O Poeta, o Homem e a Lenda - Parte I". Maneco foi extremamente moldado para ser o Arquétipo dos Românticos. Mas ele não o foi em vida, mesmo com o seu destino trágico (algo comum para a sua época, quando não havia antibióticos para tratar qualquer infecção, muito menos tuberculose). Grande parte de "tal culpa", pode ser atribuída à Cultura Gótica, que dedica sua leitura de Azevedo aos poemas de Amor e Morte da primeira e terceira parte (que, com certeza, são geniais) da Lira dos Vinte Anos e aos contos de Noite na Taverna. Estereotipados estão Álvares de Azevedo e seus leitores, por infortúnio de opinião.
E pior: a partir da hora que julgam Edward, de Crepúsculo, um Romântico à la Álvares de Azevedo, cometem dois erros: o primeiro comparar um personagem fictício criado por uma autora Mórmon, que tão-somente retrata o culto pela castidade até o casamento dessa comunidade religiosa; o segundo erro é o total anacronismo de tal comparação.

Ou seja, de fato, há obras que tem uma atmosfera sombria, com requintes góticos. Mas julgar autores como símbolos góticos é uma tremenda confusão do Homem e da Obra.
O fato é que a Cultura Gótica foi moldada no sentido ambíguo da palavra. Mas hoje, infelizmente, vemos que, talvez por uma questão comercial, tem se dado um significado único ao Gótico -e às obras erradas.
Utilizou-se neste post: Gavin Baddelley - Goth Chic - Um guia para a Cultura Dark (Rio de Janeiro, Rocco. 2005) - este livro dados muito interessantes, principalmente quando analisa os filmes considerados góticos. É uma bibliografia considerável quando se quer conhecer a cultura gótica para além de músicas e mídia. Mas comete alguns erros dos quais eu comentei aqui, como "é de terror, dark, é gótico".
Livros didáticos de Literatura, como os clássicos tão usados no Ensino Médio, por Willian Roberto Cereja, cujos alguns capítulos são dedicádos à "Literatura Gótica".
Os livros dos autores citados, enfim.
Abraços, Cardoso Tardelli

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