sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre os Sonetos

Na poesia contemporânea - leia-se, de novos autores -, muito tem-se discutido a real função e praticidade da célebre estrutura denominada de Soneto.
O Soneto Italiano, muito utilizado no Simbolismo e Parnasianismo, contém 14 versos, sendo distribuídos em dois quartetos e em dois tercetos, com a ordem das rimas já prefixadas. A métrica no Soneto Italiano, em geral, era Decassílaba (dez sílabas) ou Alexandrina (doze sílabas).

Um exemplo desse tipo de Soneto:




Cruz e Sousa - Post Morten ( de Bróqueis)


Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama,
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da fama.

Quando as níveas Estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo o que o teu Verso clama.

terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados...
Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!




No Romantismo brasileiro, predominou a forma de soneto de métrica Alexandrina, com tercetos em rimas cruzadas.

Inegavelmente, seguindo-se a métrica - independentemente se for decassílaba ou não - e um esquema de rimas predeterminado, a criação de um soneto torna-se difícil, mesmo que muitos poetas fossem tão sublimes em tal forma de poema que parecesse que fosse um engenho simples(poetas como Camões, Florbela Espanca).



Um dos grandes poetas brasileiros, mesmo com controvérsias sobre o que é, de fato, a sua obra, discorreu sobre a dificuldade de um Soneto. Gregório de Matos, certa vez, num soneto, escreveu no último terceto:
(...)


Nesta vida um soneto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.


Pegando-se sonetos contemporâneos, vemos que foram-se as métricas, as rimas - e somente ficou a estrutura essencial de 14 versos. Sem problema algum com isso, pois um poema não depende essencialmente de uma métrica, mas depende das palavras que são ali colocadas. Mas, obviamente, a músicalidade dos Sonetos, que sempre atrativo foi, acababou se perdendo com essa investida Modernista no Brasil. Neste ponto que eu queria tocar.



Um dos grandes pecados dos Modernos Artistas Brasileiros, julgavam-se assim ao menos, foi que julgavam-se novos, numa arte essencialmente brasileira. E em termos estruturais, algumas das revoluções creditádas aos modernos, muito antes, porém, já tinham sido feitas por Românticos Ingleses.

De quem digo? Percy Shelley e John Keats. Ambos, em suas curtas vidas, experimentavam esquemas de rimas em Sonetos nunca antes vistos, como, por exemplo, manter as rimas dos Quartetos nos Tercertos e, inclusive, produzir sonetos em versos brancos, cujo primeiro indício na Inglaterra foi de Edward Spenser (1552-1599). (Péricles Eugênio da Silva Ramos nos brindou de traduções fabulosas de poemas de Keats, Shelley e Byron, lançados pela editora Hedra. Os dados deste parágrafo foram tirados da análise de Péricles em "Keats - Ode sobre a Melancolia e Outros Poemas, Hedra, São Paulo, 2010").

(A imagem é um manuscrito do soneto "Brightstar", de Keats)


A ousadia Modernista na estrutura dos Sonetos não foi nada mais que uma reprodução de coisas que já haviam sido feitas na Europa tempos antes. Ousadia, talvez, soasse para quem tinha o enfadonho Parnasianismo como regente das letras brasileiras. Mas soa falaz tal ousadia quando bem sabemos que a proposta era a criação de uma poesia tipicamente brasileira, temática e estruturalmente.




Vemos exemplos interessantes de sonetos na poesia modernista, como os Sonetos do primeiro livro de Mário Quintana, A Rua dos Cataventos, que mesmo sem métrica rígida, mantém uma estrutura de rimas interessante, dando uma musicalidade à poesia. Nota-se que no ano em que foi lançado, 1940, o Soneto já havia caído em desuso.



Não escrevi aqui uma desnecessária crítica ao movimento modernista, pois inegavelmente ele obteve sucesso em sua tentativa de mudar as letras brasileiras. Porém, juntamente a isso - por vezes, inconscientemente, pois sempre viamos grandes poetas modernistas louvando alguns antigos (como Drummond elogiou Baudaleire, como Péricles Eugénio resgatou em traduções memoráveis poesias antigas, entre outros exemplos) -, levou ao limbo certas estruturas, temáticas, que, de modo algum, podem ser consideradas ultrapassadas ou incompatíveis com a época ou com o país que o poeta escreve. A nobre estrutura do Soneto não deve ser repudiada como já vi em alguns lugares, chamando-a de "limitante" e outros termos. Shakespeare é um exemplo clássico de como essa forma de poesia, quando bem usada, não é limitante, e torna o engenho poético sublime e fúlgido.
Abraços, Cardoso Tardelli - 02/07/2010

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