sexta-feira, 17 de junho de 2011

A Poesia Religiosa de Alphonsus de Guimaraens

Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como eu sigo.
Alphonsus de Guimaraens


Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, faço aqui uma das postagens de maior importância para o entendimento não somente da poética Alphonsina, mas da poesia Simbolista como um todo.
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), simbolista que, ao lado de Cruz e Sousa (1861-1898), figura na literatura de relembranças de nossa cultura. Mas foi Guimaraens, mesmo tendo uma influência da poesia cruziana imensa, um poeta singelo, de características únicas e um dos Simbolistas em cuja obra mais se vê a influência de poemas dos Românticos brasileiros.
Tematicamente, Guimaraens foi um místico - talvez o maior de nosso Simbolismo. E na mística, que, às vezes, entrava na bruma do misticismo, encontra-se a sua temática religiosa, estritamente católica, sendo esta de importância relevante à sua obra.
(Foto: Alphonsus de Guimaraens)

Escreveu o poeta nascido em Ouro Preto um livro dedicado, tão somente, a Nossa-Senhora, chamado de Setenário das Dores de Nossa-Senhora (1899), cuja estrutura se assemelha a de uma missa, tendo uma Antífona no início e uma Epífona no fim, além de ser dividido em "Sete Dores", contendo, cada parte, sete sonetos. É de tocante crença toda a obra e de estro do mais alto nível.

Mesmo tendo a qualidade que contém, foi o livro estranhamente criticado por José Veríssimo (1857-1916) na ocasião de seu lançamento (estranho no sentido de argumentos e da inverossímil e aparente teimosia do crítico para com o Simbolismo), como veremos numa análise posterior. Transcrevo agora dois sonetos do "Setenário":



PRIMEIRA DOR

VII

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos,
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te.
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-te o vulto em toda a parte.

Tu que habitas os brancos universos,
Envolve-me de luz para adorar-te,
Pois evitando os corações perversos
Todo o meu ser para o teu seio parte.

Que é necessário para que eu resuma
As Sete Dores dos teus olhos calmos?
Fé, Esperança, Caridade, em suma.

Que chegue em breve o passo derradeiro:
Oh! dá-me para o corpo os Sete Palmos,
Para a Alma, que não morre, o Céu inteiro!

QUINTA DOR

II

E tu, Senhora, cujo olhar tranquilo
De nuvens brancas a minha Alma veste,
Olhar sublime que foi tudo aquilo
Que no Céu encontrei de mais celeste:

Tu, ermida sagrada onde me exilo,
Longe da fome, e sede, e guerra, e peste,
A mostrar-me no Céu, para segui-lo,
Todo o luar da esperança que me deste:

Mãe dolorosa! num momento incerto
Virás abrir-me os rútilos sacrários
Da tua Alma que está de Deus tão perto...

Virás, talvez, e então, por certo, as minhas
Mãos de sombra debulharão rosários
Para a maior de todas as Rainhas...


A presença de Nossa-Senhora na poesia de Alphonsus de Guimaraens foi constante. Em seu cronologicamente primeiro livro, Kiriale, curiosamente lançado em 1902 (ou seja, três anos depois de Setenário das Dores de Nossa-Senhora), já fulgia na estrofe final no primeiro poema, "Initium", a seguinte imagem que o marcaria por toda a obra:

(...)
E os pesadelos fogem agora...
Talvez me escute quem se levanta:
É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!

O estro de Alphonsus de Guimaraens foi, durante muito tempo, confundido com algo parecido a uma versão brasileira de Verlaine (1844-1896). Mesmo tendo evidente influência do poeta francês - chegando a traduzir algumas de suas obras, como "Canção do Outono" -, a poesia de Guimaraens não chegava ao tratamento de palavras quase parnasiano feito por Verlaine, mesmo que hajam sonetos do poeta mineiro estéticamente irretocáveis. Diante da perspectiva de uma "poética confundida" durante muito tempo, vamos a uma pequena análise da crítica primeira de José Veríssimo à poesia Alphonsina.

Na segunda série de seis estudos literários (lançada em 1899), José Veríssimo, o então mais apreciado crítico da época, ao lado de Araripe Júnior, faz as seguintes observações sobre o Setenário das Dores de Nossa-Senhora, do "Sr. Alphonsus de Guimaraens":
"Da tendência intelectual de que ele (o Simbolismo) saiu, esgalhou um grande ramo místico, de um misticismo católico. No misticismo deste fim-de-século positivo há quem veja menos um fenômeno de decadência social ou moral, que uma postura, uma afetação de originalidade, uma forma particular de esnobismo". Crê que o movimento passará rápido, soando uma frase irrisoriamente balsâmica aos Naturalistas, grupo que tinha os maiores afagos de Veríssimo: "Passará breve, estejamos certos". Em todo texto, o crítico faz elogio ao estro de Alphonsus, dizendo que há versos que chegam a ser excelentes, mas que, não obstante, sendo seu "espírito de todo liberto do teu logismo, como diria um positivista", talvez não se encontrasse "nas condições de apreciar esse gênero de poesia". Recomenda ao então jovem Alphonsus se desvincilhar do Simbolismo para não ser mais um estro perdido em nossa poesia.

Na verdade, foi uma crítica, perto da bradada por Veríssimo em relação ao "Broquéis" de Cruz e Sousa, em 1893, de um mau gosto brando, ainda mais vinda de "um inimigo do Símbolo", como o crítico Agripino Griego (1888-1973) considerava José Veríssimo.
A poesia de Alphonsus de Guimaraens, poeta que vivia então na erma Mariana, tinha sido considerada um mero estro estético-místico durante uma era de ideias "positivistas" e deterministas, com as quais já muito havia sofrido Cruz e Sousa. No plano plano popular, tal qual todo o Simbolismo, Guimaraens foi esquecido durante anos até sua obra ser resgatada, mas no plano do movimento, seu culto marial teve representações em vários poetas de grande porte, como em Durval de Moraes (1882-1948):

NOSSA SENHORA DA RENÚNCIA...

Nossa Senhora da Renúncia...
Soba noite estrelada, à meia-noite,
Uma cabeça resplendente de ouro.
Olhos semicerrados...
Lábios semicerrados...
Os cabelos como raios
Iluminando o espaço constelado.
A fronte curva,
Onda luminosa
Pairando no ar.
E o resplendor
Do Amor
Cercando esta cabeça indescritível!

Mesmo tendo esse poema uma linguagem muito mais fácil do que a usada por Alphonsus de Guimaraens, a influência do "solitário de Mariana" é evidente. Em si, a mística religiosa do Simbolismo deve muito ao Romantismo, cujo culto às "Ave-Marias" era constante em quase todo poeta do estilo, mas não se trata de plágio das fontes, principalmente porque, na maioria dos casos referentes ao Simbolismo e ao Pós-Simbolismo, a fé era exprimida de uma maneira poética e também por meio da vivência.

Voltando à poética Alphonsina, vamos ao poema escrito na véspera de sua morte, publicado em Pulvis (1938), tendo-o como um dado de fé, de Sonho e de fidelidade ao afã que, durante a vida, sempre o acompanhou:

ÚLTIMOS VERSOS

Na tristeza do céu, na tristeza do mar,
eu vi a lua cintilar.
Como seguia tranquilamente
por entre nuvens divinais!
Seguia tranquilamente
como se fora a minh'Alma,
silente,
calma,
cheia de ais.
A abóboda celeste,
que se reveste
de astros tão belos,
era um país repleto de castelos.
E a alva lua, formosa castelã,
Seguia
envolva num sudário alvíssimo de lã,
como se fosse
a mais que pura Virgem Maria...
Lua serena, tão suave e doce,
do meu eterno cismar,
anda dentro de ti a mágoa imensa
do meu olhar!
Vaga dentro de ti a minha crença,
ai! toda a minha fé,
como as nuvens de incenso que vagueiam
por entre as aras de uma Sé...
Como as nuvens de incenso que coleiam
e fogem rapidamente
até o teto das catedrais,
dentro de ti, numa espiral silente,
vão gemendo os meus ais.
Mais uma vez a mágoa imensa
do teu clarão,
veio, tremendo na onda clara e densa,
até meu coração.
E pude ver-te, contemplar-te pude,
como a imagem da virtude
e da pureza,
cheia de luz,
como Santa Teresa
de Jesus!

O poeta volta-se à sua amada morta de nome Constança, finada aos 18 anos por consequência duma tuberculose, numa alusão já feita várias vezes por ele, chamado-a de "Santa Teresa de Jesus". Volta-se à Lua, ao Mar e a Virgem Maria. Lendo esse musical canto derradeiro, nenhuma conclusão a mais teríamos a não ser de que a poesia de Alphonsus de Guimaraens é uma poesia de meditação, cuja ermida de infinita fé tinha portas abertas ao movimento Simbolista e aos leitores de alma ampla.

Abraços, Cardoso Tardelli

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