sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Entrevista com o Vampiro e o Renascimento da Literatura Vampírica


Os que leem o "Sacrário das Plangências" com mais atenção notaram que o Romance não é um gênero que é tateado nas postagens que faço. Tenho minhas críticas a ele, afinal, pois o considero de todo tenro e carregado, independentemente dos personagens, pela sombra dos finais que levam uns a negar a qualidade literária de um livro ou colocar num pedestal determinada obra, tão somente, pelo ar de obviedade de tristeza ou alegria que, findo o livro, traria ao leitor.
Talvez minha crítica seja mais aos leitores do que ao próprio gênero, mas ele carrega em sua alma um alicerce que abre portas da facilidade de desenvolvimento de temática, trazendo nos Romances Contemporâneos um excesso, não uma totalidade, de livros de divagações dignas de um marimbondo e que toca - ou punge - os leitores com um veneno da lei do menor esforço.

A literatura Vampírica não fugiu desse entrave de qualidade. Os vampiros sempre perambularam na temática dos romances e da poesia, mas depois de Drácula, escrito por Bram Stoker em 1897, tiveram poucos romances que lhe representassem com qualidade, mesmo porque havia em muitos países os movimentos Modernistas e as Vanguardas, que, com raras exceções, prezavam pelo medonho, torpe e horrendo - componentes essenciais de qualquer obra que aborde vampiros (a sexualidade, ao contrário do que se diz, não foi vociferada em Drácula, mas sugerida na obra como uma coisa terrível, mesmo porque Stoker havia contraído Síflis e não teria o porque, sendo um maldito na sociedade, de bendizer o tema. Podemos, sim, falar que a lascividade vem a lume em Carmilla, de Sheridan Le Fanu, publicado em 1872, antes, do romance de Stoker - influenciando este, mas não na tópica referente).
O grande fato é que as releituras intermináveis feitas pelos vários movimentos cinematográficos dos clássicos do terror foram, até 1976, o tom da derrocada literária vampírica. Anne Rice, com seu Entrevista com o Vampiro, voltou aos tons clássicos necessários à tópica e adicionou elementos - e personagens - que seriam referência para o posterior.

Sem me adentrar pela história inteira que é desenvolvida, Rice teve o mérito de usar um vocabulário interessante, vasto, necessário e estranho ao encaminhamento da literatura do século XX, o que não diminuiu a qualidade ou o entendimento de sua obra. As fieis descrições de Nova Orleans e Paris em todas as épocas pelas quais os personagens suspiram são, na verdade, fruto de pesquisas que Rice viria a tratar com mais "sinceridade" com o leitor, no livro Vittorio - O Vampiro, pois neste há uma bibliografia no final do Romance.
Toda a descrição, às vezes soando belamente prolixa, condiciona-nos a sentir o eflúvio de Nova Orleans (ora, no próprio Drácula há vezes em que Stoker nos pede "perdão" por meio de seus personagens, nos vastos diários presentes no livro, por sua prolixidade. Como eu disse, Rice trouxe as tradições dos Romances vampíricos clássicos, inclusive narrativas).

Quando o assunto do livro é relativo aos personagens, Lestat é o grande foco de muitas análises. De fato, um personagem arcano, mas - neste livro - de um mistério inferior ao de Louis. Mesmo Lestat demonstrando uma insegurança que nunca foi mostrada no filme e uma "Louis-dependência", sendo esta sugerida em certas partes da boa releitura cinematográfica (que será citada vez ou outra). Louis, não por ser o narrador e "o entrevistado" (mesmo que tenhamos um narrador extra, nos momentos entre Louis e o entrevistador), é um personagem maior entre Lestat, Armand e ele, de divagações de uma profundidade incomum a um livro de romance. Lestat seria marcado, depois, com outros livros - e, então, ganharia a forma do terrível vampiro que cintila entre densas brumas em Entrevista com o Vampiro.

Creio que não há personagem mais forte, ambíguo, simbólico e inovador que a gigante Claudia. Rice fez uso do "Claustro Corporal", uma das tópicas poéticas clássicas, na qual uma alma ou personalidade - que transcende a barreira de sua época (no caso, de seu corpo, uma prisão de tempo-morto perambulante) -, agonizam na idealização de sua libertação. Eis o estado em que Claudia, talvez a mais violenta dos vampiros significativos presentes na trama, encontra-se, pois a criança-vampiresa nunca crescerá, mesmo que sua persona ganhe características dantescas.

E é dessa personagem que o leitor inala um dilúvio de sugestões de volúpia entre ela e Louis. Em certos trechos do livro, a imagem que se forma na cabeça, após um diálogo em que Claudia participe, é de uma vampiresa de estrutura adulta e de mente perturbadoramente encantadora, nuance aterradora, quando deparamo-nos com a lugubridade de seu "Claustro Corporal".
Na história, Claudia tem uma função essencial - e sua idade corpórea indo de encontro ao crescimento ebúrneo de sua persona soa como um estranho anúncio de que Rice não negou a personagem em sua forma, beleza - e risco - sequer por um segundo. Não podemos esquecer que o envolvimento dela com Louis soa como um atentado aos costumes, pois, por mais que ela estivesse mentalmente crescida, o seu corpo era infante. No século XXI, com as questões de pedofilia - que nunca deixaram de existir - essa personagem poderia parecer a algumas instituições menos encantadora do que pareceu-me.
Sendo o livro narrado a maior parte do tempo por Louis, há, definitivamente, o ponto pré-Claudia e pós-Claudia. A ousada personagem é essencial e maior que todos. Rice, com a personagem Claudia, deu Aurora às polêmicas temáticas, não estruturais. Todo livro de terror bom toca numa polêmica fúlgida da época.

Armand é um alicerce de Louis no livro, sendo "Aquele que traz as respostas" antes da morte de Claudia e "Aquele que tem as respostas" após o falecer da vampiresa. A relação dos dois é muito mais profunda do que mostra-nos o filme, mesmo porque Armand também é frágil, inseguro e isola-se no porão de um castelo habitado, mas sem que os moradores saibam de sua presença.

Rice iniciou, com esse livro, suas "Crônicas Vampirescas", terminados em 2003. Com tais livros, trouxe-nos novamente o Vampiro aterrador, mesmo que frágil; o Vampiro imortal, mesmo que, ante à cova, sentisse o aroma das flores vivas mais atraentes do que o da morte (um estereótipo já incômodo que atingia as sagas vampirescas era o da repulsa pela vida, sendo que desta o vampiro se alimentava). Bram Stoker nos mostrou um Drácula apavorante, mas com mente infantil (ao contrário do que os filmes mostram, Drácula na trama toma atitudes tolas, dignas de uma criança. Dr. Van Helsing, conhecedor, diz que ele não as toma por inocência - o que seria ridículo em condições normais -, mas porque ele tem mente de criança), e Anne Rice nos trouxe uma criança num "Claustro Corporal", e de uma apavorante agonia amorosa por Louis.
Essa aproximação do monstro com o humano toma, a cada dia, proporções maiores e, às vezes, lamentáveis, como bem vemos palpitando em livrarias.

Abraços, Cardoso Tardelli

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