terça-feira, 28 de junho de 2011

O Simbolismo Irônico e a Ironia ao Simbolismo


Estimados leitores de o Sacrário das Plangências, esta postagem tem como função mostrar um feitio do movimento Simbolista que não foi conhecido, assim como algumas reações bem-humoradas, mesmo que nem sempre bem executadas, contra o movimento dos Símbolos.

O Simbolismo é mais conhecido pelas temáticas obscuras que tratava, mesmo em torno de imagens do branco (influência de Broquéis, lançado em 1893, por Cruz e Sousa -1861-1898-), mesmo que toda obscuridade fosse posta de uma maneira transcendente, numa forma de transcender os penares do mundo. A influência do Budismo em muitos poetas, inclusive em Cruz e Sousa, era evidente, mesmo sendo conflituosa com as imagens católicas abundantes do estilo. O êxtase búdico (nome, aliás, de um soneto de Cruz e Sousa), ou seja, o Nirvana, era tratado de uma maneira muito tristonha, resignada, qual um clamar impossível por poetas que vão de Edgar Mata (1878-1907) a Narciso Araújo (1877-1944). Ou seja, os conflitos de escapismo deixados pelo Romantismo foram tratados, utilizando-se de outras imagens ou não, pela escola toda.
Mas houve quem, mesmo diante do desalento das tópicas dos versos, demonstrasse bom humor. Talvez não há um exemplo mais de peso para começar a demonstrar isso do que o célebre Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), que teve póstumamente lançados seus Versos Humorísticos, na sua Obra Completa, edição de 1960, mas que na apresentação de sua obra são totalmente deixados de lado, mesmo que alguns tenham real qualidade literária. Os versos de Guimaraens que mostrarei não têm um feitio tipicamente Simbolista, recheado de maiúsculas e de desalento. É, tão somente, uma ironia a uma situação típica no matrimônio em conflito com a imagem da paixão.

VI

Um Moço, à sua Amada:

A vida sonhando passo...
Como o sonho vai de leve!
Divago pelo meu paço...
E a minh'alma, passo a passo,
Sobe ao teu peito tão leve!

Uma Nora, à sua Sogra:

Já não sei por onde passo...
Como a morte vem de leve!
Divago pelo meu paço...
E a minh'alma, passo a passo,
Pede ao diabo que te leve!

(...)

Algumas coisas de Alphonsus de Guimaraens são, de fato, esquecidas para, na concordância do desdém ao Simbolismo que é feito no ensino de literatura no Brasil, ter-se um foco nos mais aplaudidos poemas de Guimaraens, mesmo que muitos não sejam, de fato, os melhores. Para um dado de curiosidade, foi ele que escreveu a letra do hino de Mariana, cidade mineira em que descansa o seu leito derradeiro.
(Na foto: Adolfo Werneck)

No atualmente desconhecido Adolfo Werneck (1879-1932) - atualmente pois este é detentor de uma cadeira da Academia Paranaense de Letras, demonstrando o prestígio que tinha na sua época -, vê-se uma poesia Simbolista, satanista (influenciado muito, então, por Baudelaire -1821-1867-), mas que tinha uma veia sarcástica e musical que ia para além de muitos da época. Eis um exemplo disso:




COVEIRO

De longas barbas, olhar funéreo,
coveiro mau,
Porque habitas o cemitério
como o lacrau?

O teu aspecto... Jesus, que medo!
que medo, xi!
Quando te vejo de manhã cedo
Passeando ali...

Por entre cruzes ziguezagueias
como se foras
negra abantesma, por noite feias,
aterradoras.

Ser desprezível, frio de pedra,
alma de pez,
ao bem estéril, onde só medra
a malvadez...

Mal, a finados, badala o sino,
Sorris, assim
Como se ouvisse tocar um hino
tará-tá-chim!

(...)

Impressionado, por toda parte
bem te lobrigo,
embora busque sempre evitar-te
como um perigo.

Em vão me escondo, mesmo que fuja
vejo-te, a ti,
coruja negra! Corta, coruja,
tirrri-tri-ri!*

Pronta a mortalha. Cessa o agoureiro
corte de azar...
Sinto-me exausto. Negro coveiro,
Podes cantar.

*exatamente com três erres seguidos a composta palavra.

Não seria uma nova ousadia na literatura brasileira ser irônico. No nosso passado colonial tivemos "somente" Gregório de Matos (1636-1695), talvez o mais zombador de nossos letras, e tivemos uma quebra do vulto considerado prostrado e tristonho do nosso Romantismo feito por Álvares de Azevedo (1831-1852), na sua segunda parte de "A Lira dos Vinte Anos" (1853).
Porém, o grande estigma que seguia o movimento Simbolista e que, como coloquei, não era de todo uma falácia, mas não era também um todo, movia as imagens de seriedade, de lugubridade já no primeiro pensar referido aos poetas da escola. Consequentemente, haveriam respostas bem-humoradas para os supostos mal-humorados, como vemos nestes poemas de Francisco Eugênio Brant Horta (1876-1959), que os publicou sob um de seus vários pseudônimos, no Jornal País:

CANÇÃO DA DESPEDIDA

(...)

E fiz Quadras Radiantes,
De versos bons e fortes,
Com Ânsias de Bacantes
Em trêmulas Coortes.

Que falam de Monjas de lívidas faces,
Do Azul, da Harmonia, de Morte e Mistério,
De Véus e Grinaldas de Sonhos fugaces,
De Círios, de Estrelas, de Aromas etéreos.

Mas um dia me vi tão perseguido
De Termos e de Rimas tão veementes,
E da Loucura ouvi tão perto o Ruído
Que mandei para o Diabo os Decadentes.

E, num soneto de ironia clara às temáticas de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, o parnasiano Brant Horta escreveu, de maneira agressiva:

POST ACCESSUM DEMENTIAE

(...)*

Missas! Viáticos! Báratros! Espasmos,
Cores de Sons fragrantes de Guitarras,
Esculturas de Músicas bizarras,
Soluço e Grito de éticos Marasmos.

Beethovens e terríficos Sarcasmos!
Esdrúxulos e Sonhos de Fanfarras!
Monjas brancas, Satãs de negras Garras,
Rimas e Embrulhos que nos trazem pasmos.

Maiúsculas em Penca! Mágoas! Dores!
Círios fúnebres, Morte e mais Horrores,
Confusão onde a Forma é que governa,

Tudo posto com Paciência e Jeito,
É quando basta para de um sujeito
Fazer um Poeta esplêndido, à Moderna!

*Foi retirado a longa epígrafe e que de nada acrescenta ao soneto.

De acordo com Andrade Muricy, o livro de Brant Horta, Lirae Carmen, mesmo com a relatada revolta do autor para com o movimento Simbolista em suas publicações em periódicos, fulge influência da poesia Cruziana, tendo esta feito, assim, mais um parnasiano ajoelhar-se aos Símbolos.

Poderia eu citar mais casos da ironia Simbolista e da Ironia ao Simbolismo, mas não é necessário, creio que já o ponto fiz. O movimento do culto à sugestão, não do bradar imediato, causou uma tormenta no cenário de nossos letras, mas não teve a recepção merecida tanto da alta cultura quanto da alta Sociedade (Cruz e Sousa é um exemplo de que os dois não necessariamente se cruzam), porque seus "inimigos das letras" (o movimento Parnasiano, do qual o Simbolismo derivou "a forma que governa") tinham o prestígio Político e Social.
Mesmo assim foi um incômodo muito grande naquela época, provado pelos poemas mostrados e pelos ataques feitos em jornais contra o estilo (talvez ainda mais no ataque anti-Simbolismo feito na escolha dos membros da ABL, no qual nenhum foi cogitado) - e talvez ainda seja um estilo que causa um rilhar dos dentes, principalmente quando são defendidas as voltas da erudição, da musicalidade e das tópicas pessimistas, passando pelo meio místico. O Simbolismo, aos risonhos, é um incômodo perpétuo.

Abraços, Cardoso Tardelli

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