quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Silenciosa Rendição Parnasiana ao Simbolismo

Caros visitantes de o Sacrário das Plangências, quem já perambulou pelas postagens antes feitas já deve ter notado que eu adoto uma postura de defesa ao movimento Simbolista em muitas questões. Muitos dos meus argumentos vêm da verdade implacável de que o Simbolismo nunca foi um movimento artístico que teve uma real atenção do público, talvez pelo surgimento e domínio do Modernismo e confusão de muitos de seus artistas com o movimento que combatiam - o Parnasianismo. Consequentemente, tivemos um desdém que é raramente dado a uma Escola Artística que deixou letras no Brasil, deixando, no consciente popular, os Parnasianos muito maiores do que os Simbolistas.

Sendo assim, começo o tópico com uma citação do pequeno texto de Nestor Victor - O Simbolismo Entre Nós -, no qual ele, que conviveu com Simbolistas da primeira geração e Pós-Simbolistas, como Andrade Muricy, demonstrava sua insatisfação com a permanência do poder literário dos Parnasianos.

"No Movimento simbolista tivemos mais uma vez sinal de como somos tardígrados. O Brasil é o único país da América do Sul em que os parnasianos ainda têm direito de cidade, ainda predominam como senhores das posições. (...)".

Fato inexorável que, durante todo o furor do Movimento Simbolista, o Parnasianismo teve o seu prestígio intacto e blindado pelos críticos da época; também é um fato que foi no Brasil que o estilo Parnasiano obteve seu prestígio maior e mais duradouro. Na França, por exemplo, não passou de uma leve transição para a tempestade instalada por Baudelaire e, ironicamente, Verlaine, um dissidente do estilo.
Na brasiliana terra, porém, o próprio estilo de Olavo Bilac dava sinais de influência temática e, quando não rara, estética das obras do Simbolismo dos poetas de Broquéis (Cruz e Sousa) e Dona Mística (Alphonsus de Guimaraens).
Um dos casos, talvez, de maior curiosidade seja o do próprio Olavo Bilac (1865-1918). Quando já havia chegado em sua derradeira fase de produção poética - e quando o livro de Cruz e Sousa, Últimos Sonetos, consequentemente já havia sido lançado (1905)-, sua produção começou a ganhar tonalidades que fugiam da mera descrição ornada que lhe era peculiar. Não se pode afirmar se, de fato, Bilac aderiu derradeiramente ao Simbolismo, mesmo porque a este detinha muitas discordâncias e, além do mais, antes dos Quatro Estudos Sobre Cruz e Sousa, de Roger Bastide, que quebrou alguns preconceitos em relação ao movimento e ao seu maior representante no Brasil, ser relacionado com o Simbolismo poderia causar uma ruptura com a sua fama que atingia um nível de utopia.

Contudo, num soneto como Diamante Negro, com seu vocabulário e com o nome que detém uma, no mínimo, coincidência com um dos apelidos de Cruz e Sousa, Bilac atinge um nível espiritual nunca antes visto em sua poética, e de andamento musical muito semelhante aos últimos sonetos escritos por Cruz e Sousa.

DIAMANTE NEGRO

Vi-te uma vez e estremeci de medo...
Havia um susto no ar quando passavas:
Vida, morta, enterrada num segredo,
Letárgico vulcão de ignotas lavas.

Ias como quem vai para um degredo,
De invisíveis grilhões as mãos escravas,
A marcha dúbia, o olhar turvado e quedo
No roxo abismo das olheiras cavas...

Aonde ias? Aonde vais? Foge o teu vulto;
Mas fica o assombro do teu passo errante,
E fica o sopro desse inferno oculto,

O horrível fogo que contigo levas,
Incompreendido mal, negro diamante,
Sol sinistro e abafado ardendo em trevas.

A tríade Parnasiana, como temos de ensinamento geral, foi formada por Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Todos eles, já desfolhado o feitio parnasiano imaculado de Bilac, teriam flertes com a poesia Simbolista, mas Alberto de Oliveira (1857-1937) , conhecido, tal qual Olavo Bilac, pela sua ortodoxia de estética, deixou versos a serem publicados após a sua morte (no livro Póstuma) que, para o espanto de muitos, tinha uma evidente influência Simbolista, não somente do movimento Brasileiro, mas do Francês, como podemos ler no poema Longe... Mais Longe Ainda!

LONGE... MAIS LONGE AINDA!

N'inporte où! N'inporte où!
pourvu que ce soit hors de ce monde!
Baudelaire - Petits Poèmes en prose

Eis-nos longe de tudo, em pleno Oceano. Ao Poente
E ao Levante o que vês são água e céus, somente,
Oh! céus e água! e ao Norte, e ao Sul, por toda parte!
Alma, alma sofredora, eternamente inquieta!

- Leva-me inda mais longe, além, mais longe, poeta!
Neve. Perpétua neve. Alvas serras de neve.
Neve o mar. Neve o céu. Certo aprazer-te deve
Esta horrível região! pisas da terra o termo.

- Oh! mais longe! mais longe!
- Onde, espírito enfermo?

- Onde nem possa eu mesma ouvir-me ou ver-me! Ao fundo
Do Caos, por trás do Céu, na outra banda do mundo!
Lá no sem cor, no sem nome, no sem batismo,
Onde acaba o Universo e começa o Abismo!

O poema citado acima demonstra uma rendição ao Simbolismo explícita. As maiúsculas abundantes, a temática do Abismo como escape, a repetição de palavras e a perscrutação com tonalidades de horror. A epígrafe do poema em prosa de Baudelaire expõe um caso de aceitação do Simbolista Francês por um dos maiores Parnasianos de nossa terra.


Para Andrade Muricy, um dos parnasianos que mais se encaixaria no contexto de proximidade do movimento Parnasianista com o movimento Simbolista foi Vicente de Carvalho (1866-1924), cujo parnasianismo lhe parecia "branco, duma transparência de linfa de montanha", fugindo de qualquer descrição natural de uma poética do estilo. O seu poema "Pequenino Morto", que não nega a influência Romântica, principalmente do romantismo de Junqueira Freire - e lembremos que o Simbolismo é considerado um pós-romantismo -, foi um dos poemas mais populares em sua época de publicação. Devido ao tamanho do texto, coloco as duas estrofes finais.


PEQUENINO MORTO

(...)

Tange o sino, tange, numa voz de choro,
Numa voz de choro... tão desconsolado...
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo... Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro...
Pequenino, acorda!...

....................................................

Eis fechada a cova. Lá ficaste... A enorme
Noute sem aurora todo amortalhou-te.
Nem caminho deixam para quem lá dorme,
Para quem lá fica e que não volta nunca...
Tão sozinho sempre por tamanha noute!...
Pequenino, dorme! Pequenino, dorme...
Nem acordes nunca!

Emílio de Menezes (1867-1918), nascido em Coritiba como grande parte dos Simbolistas - e um dos seus exponenciais representantes, Emiliano Perneta (1866-1921) -, era um Parnasiano de estética incorrigível, de temática, muitas vezes, meramente decorativa e descritiva (uma falha dos parnasianos que venho pontuando). Mas teve em sua cidade o ambiente propício para, se não abandonar a estética parnasiana (algo que muitos Simbolistas declarados não o fizeram), para cantar temáticas típicas do Decadentismo. O movimento que crescia naquela cidade, ao lado do próprio clima frio e lúgubre de Curitiba, inspiraram-no os Poemas da Morte, lançado em 1901. Transcreverei um Soneto da mais alta representatividade na tópica que defendo:

MARCHA FÚNEBRE

Baixaste sobre mim teu olhar funerário
Numa resignação piedosa de hora extrema,
E as pálpebras caindo em alvas de sudário
Velaram-me de todo a luz clara e suprema,

E tateante no mundo hostil, no mundo vário,
Sem outro guia, sem outra alma que o meu poema
Ilumine e engrinalde e o faça extraordinário,
- Um poema em que minh'alma artista ria ou gema -

Vou para além ouvindo uma música nova
Feita de pás de terra a te cair no peito
Como que para pôr o meu amor à prova;

E essa música ouvindo, estranha em seu efeito,
Sinto a luz a morrer e cantarem-lhe à cova
Um funéreo e feral réquiem de luares feito.

Da tríade, o próprio Raimundo Correia (1859-1911) teve sua passagem pelas temáticas Simbolistas, evidenciadas em alguns poemas, como Plenilúnio, Três Estâncias e A Cavalgada, o qual retrato aqui:

A CAVALGADA

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
O remando da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...

Há mais casos de Parnasianos que flertam com a temática Simbolista, inclusive ocasionando a já referida confusão consequente da transição do Parnasianismo para o Simbolismo, no tópico "Augusto dos Anjos e Outros Simbolistas Postos em Outros Movimentos Literários".
Mas o que pergunto aqui, diante do que foi mostrado, é: por que o estilo, cuja preservação estética, política e popular era tão intensa, nunca demonstrou tais feições espirituais, em alto brado, ao invés de negá-las e atacar o movimento pelo qual eles próprios se inclinavam em silêncio? O medo de perder o prestígio é possível, mas este era tão grande que a possibilidade dele não ser abalado e de, por consequência, dar renome aos Simbolistas era grande.
Muitas obras Parnasianas com feitios Simbolistas só foram publicadas após a morte de seus autores, confidenciando, no silêncio funesto e no brado das obras, o temor da conjunção natural Parnasiana-Simbolista, algo que Cruz e Sousa aqui já tinha feito e que, muito antes, Verlaine, na França, havia realizado com sucesso.

Abraços, Cardoso Tardelli


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