quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Augusto dos Anjos e o Simbolismo - A Evidência por meio de Cruz e Sousa

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, depois de um período sem postagens, volto com uma temática que antes já havia sido tratada de forma relativamente superficial: as evidências que colocam o paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) no movimento Simbolista, com uma influência legítima e que não retira de Augusto a sua genialidade como poeta e que tampouco diminui o valor de sua imensa repercussão no Brasil, algo que, para um poeta de linguagem como a dele, é fato raro.
Por meio de poemas do grande representante da primeira-geração do Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa (1861-1898), vamos compreender com qual profundidade o movimento da sugestividade influenciou Augusto dos Anjos.

(Foto: Cruz e Sousa)

Andrade Muricy (1895-1984), em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, rejeitou a ideia, num momento primeiro, de colocar o poeta paraibano em seu livro. Mas ao analisar a obra e, principalmente, ao ler a defesa de Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1922), na qual defendia que o poeta do "Pau d'Arco" não poderia ser colocado em nenhum movimento sem ser o Simbolista, não hesitou em pôr Augusto em sua obra e, para evitar conflitos com aqueles que defendem a ausência de Augusto em qualquer que seja o Movimento, toma como base uma magnífica comparação da poética de Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa além de uma análise social e literária do momento em que o poeta cientificista começava a criar a personalidade de seu estro.


(Foto: Augusto dos Anjos)

Antes da comparação de poemas, Muricy defende que "A originalidade de todos os elementos expressionais nunca foi encontrada em nenhum poeta. Augusto dos Anjos veio confirmar, com a forte originalidade que afirmou, a legitimidade do Simbolismo entre nós, e a sua fecundidade verdadeira, que não era nem tirania, nem abafamento, a esterilização num formalismo esgotado, mas o impulso de vida, gerações afora". Quando Muricy escreveu o Panorama, creio que o argumento que colocarei adiante significava um apontar para uma melhora das análises literárias, mas, no adentrar do Século XXI, vemos que o contrário do que ele põe otimista, ocorre:

"Já se está ultrapassando, entre nós, o horror às aproximações, às comparações, à pesquisa de filiações e do entrecruzamento de influências tão fecundas na Literatura, e aliás em todas as demais Artes. Esse estudo de genética literária restitui à Literatura a sua verdadeira universalidade humanística, retirando-a dos exclusivos critérios nacionalista e individualista, e da obsessão da "originalidade", tão esterilizadora". E é nessa "obsessão de originalidade" em que se fixam os defensores do alheamento de Augusto para com o movimento Simbolista, alegando brumosos elementos de um pré-Modernismo (se assim o for, mais da metade do Simbolismo foi pré-Modernista por serem ousados estéticamente muito antes dos "Modernos; por exemplo, sonetos em versos brancos, versos livres com a intenção de formar uma forma geométrica ou artística - e por terem, em público, feito guerra poética contra a postura Parnasiana - mérito dado somente aos participantes da semana de 1922 e de comoções subsequentes).

Nos tempos de início de maturidade de Augusto, as obras de Baudelaire (1821-1867) já eram amplamente conhecidas no Brasil, mesmo não tendo um fecundo reconhecimento entre as literaturas dominantes. Cruz e Sousa já havia morrido há um tempo e suas obras derradeiras já haviam sido publicados (principalmente o essencial Últimos Sonetos, publicado em 1905). Para qualquer aspirante a poeta, uma leitura desses exemplares era obrigatória. Antes de pontuar algumas semelhanças evidentes da poética cruziana para com a augustina, a leitura de Simbolistas feitas por Augusto são evidentes - assim como a consequente influência - quando se notam as maiúsculas individualizadoras, as epígrafes contendo versos de poetas do movimento (incluindo o Dante Negro) e evidentes temáticas neo-românticas, de forma alguma tratadas de uma maneira Parnasiana. Deixar-se-á bem claro que as influências que Augusto tinha não excluem a singularidade no tratamento das temáticas que Augusto moldava.

Os poemas que transcreverei a seguir são, como Andrade Muricy escreveu, "tipicamente de Augusto dos Anjos", mas que não negam a fonte legítima que é a poesia cruziana.

ETERNA MÁGOA

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quando mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!"

Pois vamos ao exemplo de um dos clássicos sonetos de Cruz e Sousa para a comparação, publicado em seus Últimos Sonetos, além de um pequeno trecho de "Ironia dos Vermes", publicado em Faróis, de 1900.

TRIUNFO SUPREMO


Quem anda pelas lágrimas perdido,

Sonâmbulo dos trágicos flagelos,

É quem deixou para sempre esquecido

O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!


É quem ficou no mundo redimido,

Expurgado dos vícios mais singelos

E disse a tudo o adeus indefinido

E desprendeu-se dos carnais anelos!


É quem entrou por todas as batalhas

As mãos e os pés e o flanco ensanguentado,

Amortalhado em todas as mortalhas.


Quem florestas e mares foi rasgando

E entre raios, pedradas e metralhas,

Ficou gemendo mas ficou sonhando!


E os pequenos trechos de "Ironia dos Vermes":

(...)

"Ah! tudo, tudo proclamar parece
Que hás de afinal apodrecer com pompa.

(...)

Para que os vermes, pouco escrupulosos,
Não te devorem com plebeia fúria"
(...)

................... E cândida princesa:
És igual a uma simples camponesa
Nos apodrecimentos da Matéria!"

A temática funesta-irônica foi tradada de maneira muito mais cientificista por Augusto dos Anjos do que por Cruz e Sousa, porém, nos poemas e trechos mostrados, é inegável a influência temática, principalmente nas questões transformistas e naturalistas (que, por muitas vezes, misturavam-se, em certo embate, com as questões transcendentais), normais aos dois poetas.

Mas, talvez, um dos exemplos mais interessantes a se dar é sobre as semelhanças do soneto "No Egito", de Cruz e Sousa, e do poema "Uma Noite no Cairo", de Augusto dos Anjos.

NO EGITO (Cruz e Sousa - O Livro Derradeiro)


Sob os ardentes sóis do fulvo Egito

De areia estuosa, de candente argila,

Dos sonhos da alma o turbilhão desfila,

Abre as asas no páramo infinito.


O Egito é sempre o amigo, o velho rito

Onde um mistério singular se asila

E onde, talvez mais calma, mais tranquila

A alma descansa do sofrer prescrito.


Sobre as ruínas d’ouro do passado,

No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,

Torva morte espectral pairou ufana...


E no aspecto de tudo em torno, em tudo,

Árido, pétreo, silencioso, mudo,

Parece morta a própria dor humana!

------------------------


UMA NOITE NO CAIRO (Augusto dos Anjos - Eu)

Noite no Egito. O céu claro e profundo
Fulgura. A rua é triste. A Lua cheia
Está sinistra, e sobre a paz do mundo
A alma dos Faraós anda e vagueia.

Os mastins negros vão ladrando a lua...
O Cairo é de uma formosura arcaica.
No ângulo mais recôndito da rua
Passa cantando uma mulher hebraica.

O Egito é sempre assim quando anoitece!
Às vezes, das pirâmides o quedo
E atro perfil, exposto ao luar, parece
Uma sombria interjeição de medo!

Como um contraste àqueles misereres,
Num quiosque em festa alegre turba grita,
E dentro dançam homens e mulheres
Numa aglomeração cosmopolita.

Tonto do vinho, um saltimbanco da Ásia,
Convulso e roto, no apogeu da faria,
Executando evoluções de razzia
Solta um brado epilético de injúria!

Em derredor duma ampla mesa preta
— Última nota do conúbio infando -
Vêem-se dez jogadores de roleta
Fumando, discutindo, conversando.

Resplandece a celeste superfície.
Dorme soturna a natureza sábia...
Embaixo, na mais próxima planície,
Pasta um cavalo esplêndido da Arábia.

Vaga no espaço um silfo solitário.
Troam kinnors! Depois tudo é tranquilo...
Apenas como um velho estradivário,
Soluça toda a noite a água do Nilo!

Para citar as semelhanças, entre os dois poemas, que Andrade Muricy pontuou: Em "No Egito", no primeiro verso do segundo quarteto, Cruz e Sousa escreve:

"O Egito é sempre o antigo, o velho rito".


Já no terceiro quarteto de "Uma Noite no Cairo, em seu primeiro verso, Augusto dos Anjos escreve:

"O Egito é sempre assim quando anoitece!"

Segundo A. Muricy, o tema foi retomado claramente por Augusto dos Anjos, por mais que, em certos trechos - principalmente no terceto e na quadra final dos respectivos poemas - de nada se pareçam. O que defende Muricy é algo fulgente: "Em ambos (...), o movimento interiorizado, num pitoresco no outro, é de evidente analogia, e a atmosfera de um paralelismo flagrante: uma cantante tranquilidade no poema, e um silêncio abismal no poema".

O poema que transcreverei agora é relativamente pouco conhecido - inclusive não fora citado por Andrade Muricy em nenhuma edição de seu Panorama - mas hoje já é colocado por editoras junto as Outras Poesias, reunião de poemas que compunham a obra completa de Augusto ao lado do Eu, lançado em 1912. Creio que é um dos mais clarividentes casos de influências de Verlaine (1844-1896) ou até mesmo de seu maior leitor no Brasil (não maior intérprete, pois são coisas opostas), que foi Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), lembrando que o poeta mineiro, mesmo falecido depois de Augusto, já gozava de grande fama no círculo Simbolista brasileiro - sendo um dos únicos a ser poupado de fortes críticas de José Veríssimo (1857-1916), um "inimigo dos Símbolos", como era chamado pelos adeptos do movimento.


NOTURNO

Chove. Lá fora os lampiões escuros

Semelham monjas a morrer... Os ventos,

Desencadeados, vão bater, violentos,

De encontro às torres e de encontro aos muros.


Saio de casa. Os passos mal seguros

Trêmulo movo, mas meus movimentos

Susto, diante do vulto dos conventos,

Negro, ameaçando os séculos futuros!


De São Francisco no plangente bronze

Em badaladas compassadas onze

Horas soaram... Surge agora a Lua.


E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos

Enquanto a chuva cai nos cemitérios

E o vento apaga os lampiões da rua!


Toda temática do poema é Simbolista. Monjas, conventos, torres (sinais de isolamento, mesmo que perturbadores), além de um aspecto extremamente tristonho e religioso (não nos esqueçamos que Augusto dos Anjos era um grande católico, assim como muitos do movimento). A movimentação errante da persona-lírica, que vai solitária ao encontro do seu Sonho, mas com um terceto final totalmente sugestivo, evoca-nos os melhores momentos do clássico poema "Serenada" de Alphonsus de Guimaraens, por exemplo.

Augusto dos Anjos foi um poeta singular dentro da literatura brasileira, mas o argumento de que ele não era nem Parnasiano nem Simbolista é de uma falácia total e, inclusive, de uma injustiça com a erudição do poeta da Paraíba. As influências e o caminho que ele seguiu não retira, de forma alguma, a singela assinatura de Augusto em nossas letras. Como Andrade Muricy escreveu, "Augusto dos Anjos seria o grande poema que foi em qualquer época literária. Tal, porém, como se cristalizou o seu estro, e precisamente daquele modo, só o pode ser porque passou pela atmosfera do Simbolismo".

Abraços, Cardoso Tardelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário