segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte I

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, há um certo tempo tenho na mente a série de postagens que realizarei durante algumas semanas. O objetivo delas é bem claro: com a transcrição de, pelo menos, um poema dos mais de cem poetas Simbolistas de nosso país, tentar dar lume ao movimento que, talvez, seja o mais desdenhado pelos livros hoje, tenham estes feitios didáticos ou acadêmicos.
Para não haver dúvidas, os vocábulos que poderão causar dúvida terão seus significados esclarecidos.

A fonte principal, como não poderia deixar de ser, é o Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy, talvez o maior conhecedor do Simbolismo que já perambulou pelas brasilianas terras. Usarei, tendo em vista a característica de Panorama do livro de Muricy, as poéticas completas de alguns poetas que tenho para uma visualização maior do que a poesia de cada bardo continha de singular. Postarei um pequeno resumo de quem foi Andrade Muricy, pois creio que seja necessário fazê-lo sendo ele o autor base, mas, para muitos, um desconhecido.

Sobre João Cândido de Andrade Muricy: Nascido em 1895, na cidade de Curitiba. Cursou primeiras letras no Colégio Santos Dumont.
Em 1911, foi nomeado para a Secretaria do Congresso Estadual do Paraná.
Iniciou o curso de Direito na Universidade do Paraná no ano de 1913, colando grau em 1919, no Rio de Janeiro.
Introduzido no contexto e ambiente Simbolista por Nestor Vítor, aderiu ao "Novo-Movimento" ao fundar, em 1927, a revista Festa, junto com Cecília Meireles, Tasso de Oliveira e outros Pós-Simbolistas.
Em 1957, foi eleito Membro da Comissão Arquidiocesana de Música Sacra; neste ano, recebeu do Papa Pio XII a Comenda da Ordem Pro Ecclesia e Pontifice.
Depois de uma inteira vida dedicada ao estudo da música e da literatura, recebeu, em 1973, o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras e a Medalha Cultural "Sílvio Froes", do Instituto de Música da Universidade Católica de Salvador.
Em 1984, faleceu no Rio de Janeiro em 9 de Junho, tendo doado parte de seu acervo bibliográfico ao Museu-Arquivo de Literatura, da Fundação Casa de Rui Barbosa. Os cerca de 10 mil volumes restantes de sua biblioteca foram doados à Fundação Nacional de Curitiba.

POEMAS SIMBOLISTAS:

Rocha Pombo (1857 - Paraná -1933 - Rio de Janeiro)
Esse pioneiro do Simbolismo brasileiro destacou-se pelo romance No Hospício, cujo grau de estranheza nas linhas serve de alicerce para alguns decadentistas do movimento paranaense. No capítulo "A Estátua de Hulme", faz uma descrição alegórica do Simbolismo, terminando desta maneira: (...) - "É Verdade que a tua, meu caro, é a grande Arte; mas a minha é... a Arte que vem!...".

DESERTO DE ALMAS

Dize-me tu, que o dom sacro e fecundo
Tens, a visão do vate formidando
Para sondar as almas, e bem fundo
Os abismos do ser ir perscrutando...

Dize-me: que mistério tão profundo
Tenho no peito a vida me abalando,
Se deixo um pouco lá meu doce mundo
E amplo horizonte venho aqui buscando?

Como é que esta alegria se propaga
Por tantas almas... e minha alma sente
Este silêncio de deserta plaga?

Por que é que em meio à multidão fremente
Passo calado... como numa vaga
Desolação de sombra penitente?

(De Sonetos Paranaenses, 1922)

Glossário:
Vate: Poeta.
Formidando: Que infunde medo, pavoroso.
Plaga: Região.

Benardino Lopes (1859 - Rio Bonito (RJ) - 1916 - Rio de Janeiro)
Somente para dados biográficos, foi um dos mais populares poetas do movimento. Grande amigo de Cruz e Sousa, foi por ele influenciado e, provavelmente, também uma influência inicial no desenvolvimento da poética do Cisne Negro.

ALELUIA, ALELUIA!

Freme em harpas a luz, o éter floresce,
Aleluias no espaço, oiro e o perfume,
Que eu sinto às vezes, morto de ciúme,
Quando a estrela dos Alpes aparece.

Auras do luxo agora chegam, e esse
Fluido de graça que ela em si resume;
O alvo poema da carne vem a lume
Em prefácios de glória e de quermesse.

Qualquer cousa de estranho no ar da rua
Em que rútila e módula flutua
A asa do sonho, criadora e aberta...

Fanfarras da arte, águas do estilo, em bando,
E o clarim da beleza, alto, vibrando...
- Poetas, em fila! Madrigais, alerta!

Glossário:
Rútila: Muito brilhante, resplandescente.
Módula: Melodioso, Harmonioso.
Madrigal: Composição poética com feitio galante, quase sempre dirigido a damas.

MAGNÍFICA

Láctea, da lactescência das opalas,
Alta, radiosa, senhoril e guapa,
Das linhas firmes do seu vulto escapa
O aroma aristocrático das salas.

Flautas, violinos, harpas de oiro, em alas!
Labaredas do olhar, batei-lhe em chapa!
- Vênus, que surge, roto o céu da capa,
Num delírio de sons, luzes e galas!

Simples cousa é mister, simples e pouca,
Para trazer a estrela enamorada
De homens e deuses a cabeça louca:

Quinze jardas de seda bem talhada,
Uma rosa ao decote, árias na boca,
E ela arrebatada ao sol de uma embaixada!

(Ambos sonetos de Brasões, lançado 1895)



Glossário:
Láctea (lactescência): Que tem a cor do leite (Fig: Puro, Branco, Níveo)
Opala: Pedra preciosa de irradiação turva.
Guapa: Elegante, bela.
Mister: Ofício, propósito, incumbência.

Cruz e Sousa (1861 - Desterro (SC) -1898 - Rio de Janeiro)
O maior Simbolista entre nós e, talvez, o mais conhecido. Transcreverei poemas de pouco conhecimento público, fugindo dos ótimos e clássicos "Acrobata da Dor", "Antífona" e "Violões que Choram".

ASAS ABERTAS

As asas da minh'alma estão abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu ninho
Com as tuas asas trêmulas, incertas.

Tu'alma lembra vastidões desertas
Onde tudo é gelado e é só espinho.
Mas na minh'alma encontrarás o Vinho
E as graças todas do Conforto certas.

Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como um sagrado incenso.

Eis a minh'alma, as asas palpitando,
Como a saudade de agitado lenço
O segredo dos longes procurando...

RENASCIMENTO*

A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do sentimento
Abrem, já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!

Morrer! Findar! Desfalecer! Que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta
Ao grande Bem do grande Pensamento!

Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando...

E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares...

*No terceto final, há uma clara influência da imagem do poema "l'Albatros" (O Albatroz), de Baudelaire, no qual o poeta francês faz a analogia do pássaro com os poetas que ficam presos no mundo graças aos humanos, mesmo que possam muito alto voar. A referência, no soneto de Cruz e Sousa, é feita pela liberdade já obtida numa morte em que "A Alma não fica inteiramente morta".

SORRISO INTERIOR*

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo este brasão augusto
Do grande amor, da grande fé tranquila.

Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe esta glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!

(Todos poemas dos Últimos Sonetos, de 1905)

*Último poema escrito por Cruz e Sousa. Segundo Tasso de Oliveira, "talvez um dos mais belos do idioma".

Glossário:
Augusto: Magnífico, venerável.
Eflúvio: Aroma, perfume; emanação de feitio invisível, mas sempre olfatória.

Caros leitores do Sacrário das Plangências, foram somente três autores com que trabalhei - mas um deles era, tão somente, o maior. Pretendo intercalar outras postagens, com outras temáticas, ao lado dessa amostragem do nosso Simbolismo, que tão desvalorizado é.

Abraços, Cardoso Tardelli

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