quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte III

Caros leitores de o Sacrário das Plangências, sigo nesta postagem com a proposta de descobrimento do nosso Simbolismo. Passaremos por alguns dos mais essenciais personagens do movimento, por mais que hoje estejam esquecidos.

POEMAS SIMBOLISTAS:

Gonzaga Duque: (1863 - Rio de Janeiro -1911 - Rio de Janeiro)
Essencialmente prosista, esse autor, segundo Andrade Muricy, foi uma das "mais importantes figuras do Simbolismo brasileiro". E isso é decorrente de vários motivos, partindo desde a sua extrema correspondência com a primeira geração do movimento, tendo desta, frutífera admiração por Cruz e Sousa e sendo admirado por outros poetas, como Gama Rosa. Sua prosa teve grande deságue na segunda geração do Simbolismo.

O VELHO HARPISTA

E a música gemia na velha harpa com uma interpretação dolorosa e íntima, passava, varava o vozear da sala com um ganido sofredor de rafeiro gafento, a morrer. De quando em quando, nas pausas da algazarra, a languidez de seus compassos agitava-se no ar toldado e acre, lembrava as faixas de uma grinalda fúnebre desdobradas na aragem, levadas num esquife que conduzem; por instantes, os sons esmoreciam, perdiam-se ruído das conversas, sussurrando apenas, humildes, pequeninos, imperceptíveis quase. Porém o artista cingia mais a cara vinculada à canelura coríntia do instrumento, como a comunicar-se-lhe, a sorver-lhe os sons; as engelhas de suas faces cavam-se mais fundas, o seu olhar doía. E, num desespero, as notas cantavam outra vez mais alto, subiam para o ar num desabafo de ciúmes pelo quadro do espaço o rumorejo impertinente desdenhoso, fazendo-se escutar. Os dedos do artista confrangiam-se num tremor, eletrizava-o uma emoção que levantava a sua cabeça militar numa altivez de vencido sob o estalar de uma injúria. A esfarripada melodia verdiana criava um vigor impressionante, refundia-se por completo nas esvaídas vibrações, como um velho poema que reencontra um novo século de regressões sentimentais.
(...)
(De Mocidade Morta, 1899)
Glossário:
Ganido: Grito lamentoso dos cães. Fig: Voz Aguda.
Languidez: Fraco, doentio, mórbido; Voluptuoso, sensual, langoroso.
Acre: Amargo. Fig: Áspero, rude.
Esquife: Caixão de defunto.
Cingir: Rodear, unir, limitar o espaço.
Canelura: Cada uma das ranhuras abertos para ornamentar as hastes do instrumento
Coríntia: Relativo às castas de uva Corintio, da Grécia.
Engelhar: Contrair, murchar.

Oscar Rosas: (1864 - Desterro (SC) - 1925 - Rio de Janeiro)
Personalidade essencial do movimento Simbolista, Oscar Rosas foi um exímio poeta também. Amigo de Cruz e Sousa e bem relacionado com as boemias literárias cariocas, apresentou o Cisne Negro ao círculo literário Simbolista que se formava no Rio de Janeiro, quando da primeira ida de Cruz e Sousa para a cidade. Esse ato influenciou todo o movimento do Simbolismo brasileiro, pois, ao estabelecer-se definitivamente na Corte, as leituras do estilo que Oscar Rosas apresentou a Cruz e Sousa tinham florescido - e o autor de Broquéis já era um Simbolista assumido. Rosas era um "Simbolista radical", polemista e defensor assíduo do tom solene e imaginoso que o Símbolo traz na literatura. Foi, junto a Cruz e Sousa, Emiliano Perneta e Bernadino Lopes, um dos fundadores do movimento Simbolista entendido no sentido de ação. Os quatro lançaram uma campanha contra a arte pela arte, contra o Parnasianismo, a favor do decadentismo e não raro a favor do satanismo por meio de colunas editadas na Folha Popular, sempre sob o Símbolo de um Fauno - que tornar-se-ia marca da primeira geração do Simbolismo. Toda a produção de Oscar Rosas é esparsa em jornais. O Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro foi o primeiro a reunir uma pequena parte.

VISÃO

Tanto brilhava a luz da lua clara,
Que para ti me fui encaminhando.
Murmurava o arvoredo, gotejando
Água fresca da chuva que estancara.

Longe de prata semeava a seara...
O teu castelo, à lua crepitando,
Como um solar de vidros formidando,
Vi-o como ardentíssima coivara.

Cantigas de cigarra na devesa...
E, pela noite muda, parecia
Cantar o coração da natureza.

Foi então que te vi, formosa imagem,
Surgir entre roseiras, fria, fria,
Como um clarão da lua na folhagem.

Glossário:
Seara: Campo de cereais.
Crepitar: Estalar (como arder em fogo).
Coivara: Restos de ramagens que não foram atingidas pela queimada.


TERRA PROMETIDA

A Oliveira e Silva

Não vibro pela enxada do coveiro,
Nem temo a cova clássica e sombria;
Morrer, como cigarro num cinzeiro,
Doce ventura, assim eu morreria.

Nada restar de todo este cruzeiro,
Nem saudade, nem dor, nem fantasia;
Remir pecados como o Grande Obreiro,
Alto negócio alguém reputaria.

Tremo pela suspeita doutra vida
- A certeza da Terra Prometida
Do Além, desse terrível Amanhã...
E ali chegar, por atração funesta,
Aos sabás em função, em grande festa,
Um júri presidido por Satã.

Glossário:
Obreiro: Operário, obrador.
Funesta: Fúnebre, lúgubre, tristonho; que produz dor, lancinante.
Sabá: Concílio de bruxas que, segundo superstição medieval, tinha a presidência pelo demônio.

Araújo Figueredo: (1864 - Desterro (SC) - 1927 - Florianópolis)
Poeta de extrema sensibilidade temática e estética, não negou a superioridade e liderança que Cruz e Sousa detinha na primeira geração do nosso Simbolismo. Muito amigo do Dante Negro, chegou a se hospedar na derradeira casa de Cruz e Sousa, um pouco deste ter a tuberculose diagnosticada (morreria Cruz somente três meses depois do diagnóstico). Já morando em Laguna, Santa Catarina, Figueredo manda ao amigo uma carta na qual a fama espirituosa de Gavita, esposa de Cruz e Sousa, é confirmada por meio das palavras "na imagem do ébano da tua esposa, imagem afetuosa e santa, iluminada de suprema bondade". Após a morte de Cruz e Sousa, Gavita - que pouco viveu após o ocorrido - foi extremamente receptiva, bondosa e espirituosa com os amigos Simbolistas do Cisne Negro, que davam-lhe o apoio possível no luto. A poética de Figueredo, qual a de muitos do movimento, foi marcada pela temática católica.

TENEBROSO

Se por uma infinita noite escura
Um clarim percorresse o céu profundo,
E chamasse de lá todo este mundo
Que anda cheio de dor e de amargura...

Se nessa noite, a cândida ventura,
A esperança que existe ainda no fundo
D'alma, tombasse a um pélago iracundo,
Tombasse como numa sepultura...

Se em nosso olhar a lágrima rolasse
E dessa amarga lágrima brotasse
Uma ansiedade eternamente fria,

Dize tu, dize tu, Mulher amada,
Se por essa sinistra e longa estrada,
Dize se eu nos teus braços me acharia!

(Publicado em Ascetério, 1904)

Glossário:
Clarim: Instrumento de sopro de timbre estridente.
Pélago: Mar profundo, abismo marítimo. Fig: Abismo, báratro, pego.
Iracundo: Colérico, irado, propenso à ira, enfurecido.

DIVINA GRAÇA

Ao Padre Manfredo Leite

Para sempre lembrados os que choram
Profundamente, com o peito em lanças!
Mas os que choram pelas esperanças
Que os altos céus olímpicos enfloram!

Para sempre lembrados os que imploram
Mares de eterna paz e de bonanças,
E têm a alma como a de crianças
Que as próprias feras docemente adoram!

Ah! pelos que nesse clarão se aquecem
Todas as dores que em dilúvio descem
Toda a gota de lágrima que passa

Nada mais são do que, continuamente,
Diante do olhar de quem se vê doente,
Os Santos-Óleos da Divina Graça!

(Em Ascetério)

Venceslau de Queirós: (1865 - Jundiaí (SP) - 1921 - São Paulo)
Um dos maiores contribuidores para a formação, em São Paulo, do espírito Simbolista. Foi contemporâneo de Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de Emiliano Perneta, Olavo Bilac, mas podendo concluir o seu curso somente sete anos após o início por decorrência de enfermidade grave. De poética claramente influenciada pelo estilo baudelairiano, chegou a ser chamado pelo também poeta Ezequiel Freire, numa crítica em um jornal, de "Baudelaire Paulistano".

NEVROSE

(A Teófilo Dias)

I

Na voragem da infinita
Loucura que me suplanta
Há uma serpente maldita
Que me constringe a garganta.

A noite do agro remorso,
- Remorso que me fragoa,
(Noite em que choro e me estorço...)
De pranto e sangue gerou-a.

Corrompem-se-me os sentidos
Entre mórbidos miasmas:
- Ouço na treva gemidos,
- Na sombra vejo fantasmas.

Tomam corpo e forma hedionda
Os sonhos meus mais secretos,
Como frenética ronda
De uma porção de esqueletos.

A fantasia nas garras
Leva-me a um páramo torvo,
Abrindo as asas bizarras
Nos céus azuis como um corvo...

N'alma roeu-me a apatia
As rosas do seu conforto,
Como a larva úmida e fria
Rói a carcaça de um morto.

E o olvido (ai! corre-me o pranto...)
Vai sepultar-me os despojos,
Como farrapos de um manto
Que se espedaçou nos tojos.

Neste incessante destroço,
A razão mais se me afunda,
Como a luz dentro de um poço,
Numa inconsciência profunda.

Como nas noites polares,
De úmida treva retintas,
Farejam ursos nos ares
Abrindo as bocas famintas.

Surgi, visões do passado,
Nesta mudez que me cinge:
Eis o meu seio golpeado,
Sugai-o, lábios de esfinge...

(...)

(Em Versos, publicado em 1890)

Glossário:
Nevrose: Neurose
Agro: Amargo, acre, inclemente.
Fragoar (Neologismo): Emissão ruidosa, estrondosa, semelhante a algo que se quebra.
Estorcer: Torcer com muita força.
Miasma: Emanação de odor pútrido do solo; influência má.
Páramo: Planície deserta.
Torvo: Pavoroso, sinistro, medonho.
Olvido: Esquecimento.
Tojo: Arbusto que tem poucas folhas, espinhos fortes e folhagem amarela.
Retinto: Tinto novamente; que tem cor escura e carregada.
Esfinge: No Simbolismo, imagem clássica da dúvida fatal, do remorso e da sugestão.

Caros leitores do Sacrário das Plangências, no post anterior, havia prometido a postagem de alguns poemas de Emiliano Perneta. O post se alongou e percebi que, se o fizesse, ficaria demasiado longo. Na parte IV, Emiliano será o primeiro a ser analisado - para ele, precisa-se de uma grande atenção, principalmente no aspecto de importância ao movimento.

Abraços, Cardoso Tardelli

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