quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Um descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte VI

Estimados leitores do Sacrário das Plangências, eis a continuação dos estudos do movimento Simbolista Brasileiro. Os poetas pelos quais passaremos hoje são pouco conhecidos nos dias atuais, mas tinham uma reputação literária considerável na época, findada, talvez, por aquela sina do Movimento Simbolista que tanto irritou Andrade Muricy, ao escrever o Prefácio da Segunda Edição do "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro". Se antes o Simbolismo pecava pela falta de autores, resumindo-se para muitos a Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, depois do "Panorama" e de seu aspecto amplo de pesquisa, o Movimento pecava pelo excesso. De fato, parecia um movimento que nascera para ser renegado, apesar de ser claramente o movimento precursor de qualquer que seja a noção de Modernismo que tenhamos.

POETAS SIMBOLISTAS:

Arthur de Miranda (1869 - Rio Preto - MG - 1950 - Rio de Janeiro):

Engenheiro, mas, acima de tudo, um jornalista importante - iniciando a sua atividade ainda no período monárquico -, fez parte da primeira camada do Simbolismo, com a qual manteve relações estreitas de amizade, principalmente com Cruz e Sousa e Nestor Vítor. Por intermédio dos veículos de imprensa e das ocasiões sociais da época - como discussões em cafés -, fazia propaganda do movimento Simbolista, sendo todas extremamente rumorosas. A sua poesia demonstra uma grande influência do Cisne Negro, mas não perdendo a característica própria que lhe é devida.

FIM DE LEITURA

Só, na sombria sala em vão medito,
E os velhos temas rememoro e afago;
Ah! com que sabor delicioso eu trago
Este imortal e luminoso escrito!

Vem do passado, e por senti-lo fito
A letra e a cor do pergaminho vago,
De cujo traço um réquiem esquisito
Percebe, em sonho, o coração pressago.

Lá fora a tarde se amortece a apaga,
E fria e funda escuridão mortuária
Por toda a sala imota se propaga.

Horas de círios pelo espaço torvo,
Sonho, escutando n'alma funerária,
De asas abertas, crocitar um corvo.

(Do inédito Névoas. Cópia fornecida a Andrade Muricy)

Glossário:
Pressago: Adjetivo que significa pressagioso, que detém agouro. No Simbolismo tinha, normalmente, um significado negativo.
Imota: Imóvel.
Torvo: Terrível, sinistro; que causa horror.
Crocitar: Grito do corvo.

Figueiredo Pimentel (1869 - Macaé - RJ - 1915 - Rio de Janeiro)

Jornalista e autor de livros infantis importantes para o início do Século XX, além de ter sido escritor de estranhas obras de prosa como O Aborto e o Suicida, teve como marca, por ser editor da seção "Binóculo", da Gazeta de Notícias, a frase "O Rio civiliza-se". Essa seção tinha como foco ser quase um conselheiro dos leitores no modo de agir perante a sociedade, criando certos padrões naquela Rio de Janeiro que se civilizava à moda europeia. De um ponto de vista poético, foi Figueiredo Pimentel um vanguardista do Simbolismo, atuando fervorosamente ao lado da primeira camada do movimento, além de ter uma correspondência com os simbolistas franceses. Não podemos esquecer que um movimento literário não se faz somente de obras, mas também por meio da divulgação residente e além-mar, por meio de apoio de artistas já célebres, quando não excedendo o limite - apoio político, como foi em nosso Romantismo -, além da qualidade artística do movimento em si.

OLHOS MISTERIOSOS

Enigma vivo! esfinge indecifrável!
Quem poderá, acaso, desvendar
Os arcanos que existem no insondável
Fundo daquele olhar?!...

Olhar que lembra o Fogo-fátuo, errante,
De cova em cova, rápido, a fugir;
Olhar d'aço - ora morto, ora brilhante,
Esquisito, a fulgir...

Olhar imenso, olhar caliginoso,
Do Infinito espelhando a vastidão,
Que terrível segredo misterioso
Reflete o teu clarão?

Olhar que fala... Mas, que língua estranha,
Que idioma de bárbaro país,
Falam tais olhos, cuja luz me banha,
Fazendo-me infeliz?!...

Que paisagem fantástica de Sonho
Esse olhar nebuloso reproduz
- Luar triste, deserto, ermo, tristonho,
Sem trevas e sem luz;

Onde uma cor funérea, indefinida,
(Uma cor, que não é bem uma cor)
Paira como uma luz amortecida,
Um lívido palor?

Enigma vivo! esfinge indecifrável!
Quem poderá, acaso, desvendar
Os arcanos que existem no insondável
Fundo daquele olhar?
Olhar trevoso, olhar que nos aponta
Incognoscível Região d'Além:
Quem é que sabe o que esse olhar nos conta?!...
Ninguém!... Ninguém!... Ninguém!...

(Em Poetas Brasileiros Contemporâneos)

Glossário:
Arcanos: Mistérios.
Insondável: Que não pode ser explorado, misterioso.
Fogo-Fátuo: Fogo-Efêmero, de curta duração. Expressão muito comum no Simbolismo.
Olhar Caliginoso: Olhar cego.
Palor: Palidez.
Incognoscível: Além da compreensão humana; inefável (no sentido referido desta palavra); o que não se pode conhecer.

Dário Vellozo (1869 - Rio de Janeiro - 1937 - Curitiba)

Talvez um dos maiores intelectuais do movimento Simbolista brasileiro. Segundo Andrade Muricy, Dário Vellozo "era um expositor tendencioso, mas irresistível. A sua oratória, imaginosa, vivaz, sem vã retórica. Sempre eficaz. (...). Dário Vellozo tinha irresistível ascendente sobre a juventude e sobre numerosos amigos que nunca o abandonaram (...)". Foi esta excepcional figura um autor completo: escrevera em romance, conto, poesia, oratória, ensaios, jornalismo, história, polêmica religiosa, entre outros. O Ocultismo com o qual tinha contato era tratado com respeito pelos seus amigos - quando não seguido por eles. A sua poesia era hermética, sugestiva, culminando numa epopeia imensa e póstuma - Atlântida - que é de dificílima composição.


CAMPO SANTO

..........................................
Andei, Senhor, lavrando a terra nua,
À chuva, ao sol, à neve, ao frio...

Abria a terra ao sulco da charrua...

E minha alma - sol de estio -
De rósea e juvenil foi se fazendo antiga,
E se ficou, Senhor, como a última espiga,
Abandonada, no campo, à luz fria da Lua...

Sou o sulco da charrua
Que a água do monte umedeceu.

Era uma noite de lua,
Quando minha alma arrefeceu...

Não mais lavro, Senhor, a terra nua...
A charrua partiu-se; o coração morreu.

Curitiba, 17 de Abril de 1902.

(de Cinerário, publicado em 1929)

Glossário:
Charrua: Arado com rodas dianteiras.
Arrefecer: Perder o calor. Fig: perder o entusiasmo ou o alento.

NO REINO DAS SOMBRAS

A Hermínia Schulman

Plenilúnio. O olhar molha as colunas dóricas...
Junto ao pronau medito, evocando o teu rosto.
Que saudade de ti, dessa tarde de Agosto,
De tintas outonais e visões alegóricas!

Saudade!... O coração lembra idades históricas...
Na Atlântida eras tu pitonisa... Ao sol posto,
Dizias da alma irmã os arcanos... Teu rosto
Banhava-se na luz das estrelas simbólicas...

Tantas vezes perdida! Imerso em luz ou treva,
De vida em vida, à flor do céu, te procurava,
Na dor da solidão... E, quando a lua eleva

A lâmpada votiva, eu te procuro ainda,
- Alma branca, alma irmã, alma em flor, alma eslava -,
Na poeira dos sóis da solitude infinda.

Templo das Musas, 3 de Novembro de 1928.

(em Cinerário)

Glossário:
Plenilúnio: Lua Cheia.
Colunas Dóricas: Arquitetura que fica entre o desenvolvimento rústico Toscano e o maior desenvolvimento Jônico.
Pronau: Seção anterior de um templo antigo.
Pitonisa: Sacerdotisa de Apolo; Vidente, sujeito pressago.
Votiva: Oferecida em cumprimento de voto, no caso.
Solitude: Solidão.

Júlio Perneta (1869 - Curitiba - 1921 - Curitiba)

Irmão do também poeta Simbolista Emiliano Perneta, foi Júlio um dos grandes polemistas paranaenses de sua época, obtendo visualização no meio jornalístico por meio de suas polêmicas e defesas da terra. Era um regionalista - e cantava as belezas do Paraná com o auxílio de símbolos sutis e de sugestividades que tornaram-no famoso. Não se achará um brado da terra como um Casimiro de Abreu na obra de Júlio Perneta, mas fitar-se-á a cor dos poentes e do nascer do sol paranaense que o próprio Emiliano Perneta havia cantado na longa canção "O Sol". A face regionalista de J. Perneta ficou mais clarividente na prosa, pois em seu estro, mesmo escrevendo mais alentadamente, chegando quase ao ritmo das Lieds alemãs em certos poemas, foi um típico Simbolista. Júlio morreu seis meses depois da morte do irmão, falecido também em Curitiba.

CREPÚSCULO

No túmulo do ocaso iluminado,
Como nau afundando em tírio porto,
O dia tomba, triste, abandonado,
Nostálgico de luz e de conforto.

Horta em que o coração, genuflexado
Ante a visão feral do desconforto,
Vê desfilar das sombras do Passado,
Aos merencórios raios do sol morto.

Hora de dor, profunda de saudade,
Feita de lágrima e de prece ungida,
Soturna de velhice e mocidade!...

Como eu te sinto em mim, como eu te quero!
És a imagem fiel da minha vida
Que, apesar da desgraça, inda venero!

1897

(em Antologia Paranaense)

Glossário:
Tírio: No caso, purpúreo.
Genuflexado: Neologismo derivado de "Genuflexão", que significa dobrar os joelhos. No caso, soa como em sinal de resignação e rendição aos pesares.
Feral: Fúnebre, funesto, lúgubre.


OS TEUS OLHOS SÃO FEITOS DE LUAR...

I

Os teus olhos são feitos de luar,
E o céu, sorrindo num rendilhamento
Sonoro de astros, põe-se a meditar
Nesses teus olhos, com deslumbramento,
Feitos de estrelas, lírios do luar.

II

Olhos de imagem, olhos de oração,
Num misticismo eterno de saudade.
Olhos que o céu contempla da amplidão,
Cheio do tédio da infelicidade
Por não possuir teus olhos de oração.

III

Olhos que têm fluidos de ternura,
Olhos que fazem tantos desgraçados;
Olhos que os astros, da infinita altura,
Contemplam mudos e maravilhados...
Olhos que têm fluidos de ternura.

IV

Olhos que têm a dor perolizada
- Branco Missal das minhas devoções -,
Quanta tristeza, ó santa ciliciada,
Nesses teus olhos de constelações,
Onde soluça a dor perolizada!

(em O Cenáculo, Curitiba, 1896)

Glossário:
Rendilhar: Adornar com renda.
Perolizar: Da cor ou aparência de pérolas.
Missal: Livro em que consta as orações de um ritual.


Termino aqui a sexta parte deste estudo com a ideia exposta no início: independentemente do que produzira ou deixara de produzir o movimento Simbolista, em 1980 - data do prefácio da segunda edição - Andrade Muricy já demonstrava certo grau de irritação com as críticas sem base contra o Simbolismo. Pecava por ser escasso - e depois do "Panorama", por ser abrangente demais, negando o feitio Simbolista de Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, Francisca Júlia, entre outros.
Um dos casos que posso relatar é do prefácio dos "Últimos Sonetos" de Cruz e Sousa que tenho. Os originais estavam nas mãos de Andrade Muricy - antes estavam nas mãos de Nestor Vítor -, e foram, por decisão de Muricy, doados ao acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa.
Pouco tempo depois, a Editora da Universidade de Santa Catarina lançou uma edição revista e "crítica", segundo consta na orelha-de-capa. No prefácio, escrito por Júlio Castañon Guimarães, há uma referência sobre o "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro":

"A verdadeira amplitude do movimento simbolista brasileiro foi revelada em 1952 com a publicação do abrangente Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Murici, embora aí estejam incluídas, num intuito globalizante, algumas produções desprovidas de valor e interesse, bem como submetidas à rubrica "simbolismo" tanto a prosa impressionista de Raul Pompeia quanto a poesia expressionista de Augusto dos Anjos". (grifo meu).

Uma grande negação da influência e da perspectiva de um movimento como um todo. Além do mais, uma grande desatenção, pois um panorama não é uma antologia, pela qual o organizador de autores pode retirar os infelizes pormenores (se é que existem, de fato) - diferença básica explicada por Muricy no início da Introdução.
Durante o estudo, pouco acrescenta ao estudo da poética de Cruz e Sousa (talvez pela época em que fora publicado o livro, em 1997, na 3ª revisão), diferentemente de visões de Ivan Teixeira, nas publicações atuais de Faróis e Broquéis/Missal, para quem a poética de Cruz e Sousa deveria ser lida de um ponto de vista metafísico, não somente Simbolista.

E nos didáticos, ensinam - se é que ainda o fazem - somente os dois célebres desde sempre, mas valorizados desde nunca.

Abraços, Cardoso Tardelli

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