segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

E-books - Os motivos pelos quais não serão eles os ceifadores dos livros físicos

Caros leitores do Sacrário das Plangências, por muito tempo evitei escrever uma postagem sobre a temática "livros digitais", tão somente pelos motivos de desconhecimento e pelo furor pró-E-book na ocasião do lançamento dos primeiros tablets e do próprio I-Pad, quando posto a lume pelo inexplicavelmente imaculado Steve Jobs. Criticar na época a corrente de pensamento que declarava o início do fim dos livros físicos seria bradar uma opinião sobre um mar de obstinação. Mas faço esta postagem com algumas percepções básicas, sem querer pressagiar, mesmo porque falarei do passado e do presente.

Qualquer pessoa que se interesse minimamente pela literatura sabe que, em muitos casos, foram os vestígios de livros físicos, originais (autógrafos, como são chamados), impressões em jornais, cartas, enfim, várias maneiras externas à de um "sistema operacional" que salvaram o nome e a obra de grandes autores. Estes foram re-descobertos no momento em que se tinha os rastros físicos de sua produção. O método sobre o qual se baseia os tablets passa uma treda confiança ao usuário: o livro, que é um mero arquivo, não ficará a salvo caso o seu aparelho quebre definitivamente, nem se envolvido, caso você tenha algum aparelho da Apple, no celebrado I-Cloud, cuja utopia de segurança ultrapassou os limites do bom-senso e ingenuidade sobre a internet . Todo o processo se baseia na compra compulsiva de aparelhos, que têm pompa de inquebráveis, mas são frágeis, não na valorização dos livros. Sabemos que os tablets são mini-computadores e que detêm outras funções, portanto, tal qual um computador qualquer, não terá a função única de leitura - mas também de outros entretenimentos.
Quando eu me refiro sobre a necessidade de preservação dos livros, refiro-me à preservação cultural, que pode, ou não, caminhar ao lado da evolução tecnológica. Ora, os sites de busca são um ótimo início de pesquisa sobre os autores, mas somente o livro dará ao leitor uma real proporção da obra e do autor.

Certa vez, deparei-me com um I-Pad que continha o E-book "Livro de Mágoas", da poetisa portuguesa Florbela Espanca, preservando a grafia original. Fiquei curioso para saber como ficaria a estrutura de um poema naquela tela e, para a minha decepção, o soneto A minha Dor ficou totalmente desconfigurado, chegando a ocupar quatro páginas, tamanha a falta de estrutura do I-Pad para o gênero. Só um leitor que já soubesse do estilo da poetisa identificaria que aquele poema era um soneto, pois, de quatorze versos, a obra ganhou em torno de trinta desconfiguradas linhas. E lembremos que o soneto referido tem uma métrica decassílaba (dez sílabas), passando longe de ser um alexandrino arcaico (quatorze sílabas), caso último que poderia justificar a falta de espaço. Concluí, então, que os tablets não foram estruturados para poesia, mas para prosa, gênero no qual, linhas a mais, linhas a menos, pouca diferença faria ao leitor. Espera este blogueiro que este ponto melhore, além da  obviedade que é a escassez de boas obras de poesia para esse meio de leitura que é o digital.

Não nego, porém, que os E-books são um grande meio de divulgação para autores da nova geração. Em espaços como livrarias, os novos autores ficam esquecidos em meio aos grandes e velhos conhecidos, poucas vezes sendo observados nesses lugares. Em tempos de redes sociais, a venda de E-books não me soa terrível para novos autores, mas estes também não lhes concedem uma grande possibilidade de perpetuidade autoral no futuro, sendo a possibilidade de livros físicos em algum momento do processo de conhecimento do autor uma melhor e maior possibilidade de fincamento do escritor nas letras do país. 
Os dois meios de venda, não obstante, são os melhores para o autor e para o leitor: para o autor porque ele possivelmente lucrará mais, porque, em vez de ter seus livros baixados gratuitamente, terá os seus livros comprados; e para o leitor porque poderá comprar da forma que mais lhe agradar, seja a física ou a virtual. Não acredito em um sistema cultural e econômico em que um autor sério não consiga sobreviver senão somente por meio de sua arte, que é o seu ofício. Talvez os escritores sejam os que mais sofram com o problema de vendas, e o auxílio dos E-books, que são bem baratos, deve ajudar um pouco a falta de vendas, mas como eu tenho repetido, não deve ajudar na posterioridade, que é o motivo mínimo e máximo pelo qual um autor deveria escrever.

Porém, talvez um dos exemplos mais evidentes sobre a força do exemplar físico de uma obra artística ainda seja o caso do Compact Disc, o conhecido CD. Com a chegada do MP3, muitas gravadoras não souberam como lidar com a facilidade que uma música digital proporcionava e, em vez de abaixar os preços de suas mercadorias, aumentaram-nos, causando um crescimento do "consumo gratuito dos MP3". Nos dias atuais, contudo, vemos estatísticas de altas vendas tanto de CD's quanto de MP3, que já são vendidos por vários sites credenciados por gravadoras. Mas o meio que constantemente vence é o físico, não raramente chegando à marca de um milhão de discos vendidos por conjuntos que, ao contrário de argumentos que possam passar pela cabeça, não são radiofônicos - simplesmente são bons.

Argumentado com um evento histórico, de certa forma até interessante, podemos citar o veredito de Machado de Assis acerca dos jornais na década de 1850, como apontado por Ubiratan Machado, em seu "A Vida Literária no Brasil durante o Romantismo", da Editora Tinta Negra: "admito o aniquilamento do livro pelo jornal, esse aniquilamento não pode ser total". Apesar de dúbio, o veredito de Machado de Assis demonstra o êxtase pelo qual passava uma época em que os capítulos de livros saíam em jornais, semana por semana, e somente depois eram editados de forma definitiva, já com o conhecimento dos leitores. Além disso, nos jornais via-se uma verdadeira batalha de autores, muitas vezes com ataques diretos ou ocultos, por intermédio de pseudônimos (também foram os jornais o ventre da crítica literária brasileira). Ou seja, o jornal representava um atrativo muito maior do que o livro físico, algo que me parece igual aos tablets atuais: eles não somente contêm os livros, mas também várias outras funções para entreter o seu portador.

Todos soubemos, acerca do veredito de Machado, que o livro não morreu e que o jornal manteve-se, afastando-se, inclusive, da literatura. Com os tablets, creio que não morrerão os livros físicos. Não será pelo "cheiro" e "tateamento", que são argumentos plausíveis, mas que não mantêm uma obra na eternidade nessa sociedade indolente, mas pelo fato de que, assim como os jornais, os tablets são feitos para serem comprados um após o outro, exigindo não somente uma cultura boa, mas também uma economia em pleno voo para a volúpia do consumismo cego ser mantida. Mas há uma grande diferença entre os jornais e os E-books: os jornais de 1850 estão aqui até hoje, assim como as cartas do autores que neles escreviam. O E-book é o espelho de uma sociedade impessoal e de reciclagem, que pouco necessita saber da biografia ou do rosto do autor - somente quer preencher o vazio interno com algumas palavras. Mas sabemos que as sociedades se transfiguram, portanto, não sabemos o quanto, de fato, durará êxito do livro digital, mas sabemos que a arte sobre ele e sobre qualquer tecnologia que obstina o ser deve perdurar.

Abraços,
Cardoso Tardelli


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