sábado, 21 de janeiro de 2012

A Nova Lista de Livros da Fuvest/Unicamp e a Desvalorização do Ensino da Literatura

Caros leitores do Sacrário das Plangências, esta postagem tem como objetivo observar alguns fatores sobre os quais andei divagando atualmente. Quem acompanha o blog com maior assiduidade já deve ter observado que faço críticas ao modo pelo qual é analisada a Arte Poética no mundo contemporâneo, ainda mais sabendo que, na maioria dos casos, o contato é iniciado na escola com os olhos fitos no Vestibular, que é uma instituição desgastada e que necessita de uma renovação para além dos métodos de lógica-exata em que tanto se baseiam. Portanto, em muitos casos, se os grandes vestibulares não tiverem uma atenção mínima com a Arte Poética, é muito provável que os alunos também pouco o terão. Não podemos nos esquecer também que, queiramos ou não, essa estrutura contemporânea do vestibular torna-o também  uma fonte de leitura e de informação para os jovens, inclusive sendo um balanceador sobre as opiniões de "o que deve ser lido ou não".

Há dois dias, dois dos maiores vestibulares do país - o da Fuvest e o da Unicamp - divulgaram a nova lista de livros para as suas provas de seleção, tendo essa lista uma duração de três anos. Ei-la:

Viagens na Minha TerraAlmeida Garrett  (1799-1854)
TilJosé de Alencar (1829-1877)
Memórias de um Sargento de MilíciasManuel Antônio de Almeida (1831-1861)
Memórias Póstumas de Brás Cubas Machado de Assis (1839-1908)
O Cortiço Aluísio Azevedo (1857-1913)
A Cidade e as Serras – Eça de Queirós (1845-1900)
Vidas Secas – Graciliano Ramos (1892-1953)
Capitães da Areia – Jorge Amado (1912-2001)
Sentimento do Mundo – Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

A grande surpresa foi a seleção de Almeida Garret, Romântico português que teve grande influência no movimento brasileiro. Não obstante, o grande desagrado sobre Garret foi que, em vez de selecionarem suas Folhas Caídas, que é o seu livro de poemas e que mais marcou o movimento brasiliano, selecionaram Viagens na Minha Terra, que longe passa de ser um livro ruim, mas que não toma o lugar de um dos livros que foram excluídos - a coletânea de poemas de Vinícius de Moraes, abrindo uma lacuna para o gênero poético.
Apesar da introdução do livro Sentimento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, o gênero poético fica, aos olhos da seleção da Fuvest e da Unicamp, um pormenor transfeito numa obrigação que é posta ao acaso da necessidade.

Novamente, excluem cerca de quarenta anos de poesia brasileira - a época Parnasiano-Simbolista - em favor de um pensamento Positivista e totalmente inclinado ao gênero da prosa, perdendo a oportunidade, por exemplo, de um óbvio estudo entre a figura de Cruz e Sousa, a abolição da escravatura, as teorias científicas da época, e se, de fato, uma lei tem o poder de mudar a mentalidade de um povo. Seria um tema para a segunda fase da Fuvest e facilmente encaixável no perfil da Unicamp.

Além de tudo isso, a exclusão de O Auto da Barca do Inferno não pode ser justificada somente pelo argumento de que a lista se baseia "no que os alunos conseguem ler". O livro é um clássico e diz a todos nós, e para os que não compreendem as palavras - há várias versões com glossário, além da extrema facilidade de se conseguir um dicionário atualmente, seja pelo meio físico ou por meio do computador. Algumas expressões ainda contemporâneas, como o uso de "todo mundo" (como em "afeta a todo mundo"), foram celebrizadas por Gil Vicente no Português, pois é um galicismo (derivada da língua francesa).

Outro ponto que me incomodou bastante é a redundância do uso de certos autores. Excluir Machado de Assis seria, de fato, um absurdo. Mas por que não trocar os romances Realistas dele por um de seus livros de contos? Ou até mesmo, numa substituição a José de Alencar, que entrou com o seu Til no lugar da velha Iracema, mostrando a face Romântica de nosso maior romancista, até hoje quase desconhecida por ser tão celebrada a face Realista?

Aliás, acerca do movimento Romântico, faço um adendo: por mais que Memórias de um Sargento de Milícias não seja, pelo método didático atual, considerado um livro estritamente Romântico, fora o seu autor, Manuel Antônio de Almeida, um Romântico típico da época, inclusive no modus-operandi da sua produção artística. Sendo assim, teríamos dois romances do mesmo período literário. Será que um livro de poemas da época, como a Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo, ou até mesmo as  Espumas Flutuantes e Os Escravos, de Castro Alves, não caberiam mais no contexto de descobrimento de um movimento literário do que o intocável livro de Manuel Antônio de Almeida? De Álvares de Azevedo, poderia-se colocar na lista a peça Macário, cujas descrições da cidade de São Paulo seriam de grande serventia para uma interdisciplinaridade com Geografia e História. 

Em relação ao contemporâneo Capitães de Areia, de Jorge Amado, posso me dizer totalmente favorável à inclusão desse tipo de obra quando o tema de debate é o tempo em que fora escrita. Negar o alto aspecto de qualidade que há em alguns autores do Século XX seria de uma tremenda falha erudita - e aí entra o caso de Drummond também. Posta tal ideia, se um grande poeta brasileiro vivo como Ferreira Gullar entrasse no hall de análises, não seria absurdo algum e, inclusive, indagaria a leitura dos alunos pelo aspecto de contemporaneidade da obra.

Alguns me dirão que a poesia ou os livros antigos não foram incluídos de uma maneira mais abundante pela dificuldade de linguagem e consequente dificuldade de interpretação, além de argumentos como "nem todo Ensino Médio é igual". O grande fato é que as Humanidades estão perdendo espaço para as Ciências Exatas nos colégios e, por consequência, na preferência dos jovens; muito disso por culpa dos professores, que ensinam História, Literatura, enfim, as matérias de Humanidades com métodos, tabelas, estatísticas e tudo mais que uma Ciência Exata tem como predileção para o seu ensino.
Mas o grande ponto é que ninguém realmente tem a coragem de tirar os alunos da zona-de-conforto. Subestimando-lhes e dando-lhes a autorização para a hesitação ao conhecimento, cria-se um clima muito confortável para continuarem achando que nunca poderão ler um livro profundo ou entenderam a si mesmos, pois, afinal, a sociedade é assim mesmo e ninguém consegue e nem precisa ler isso. O princípio de subestimar uma mente é um dos mais hediondos que há: a pessoa realmente acredita que não conseguirá ou que não haverá utilidade para elevar-se nessa tal sociedade. O problema é que essa zona-de-conforto e de subestimação começa desde a infância, quando a alfabetização básica inicia-se, tornando uma inversão da situação negativa, quando no Ensino Médio, realmente difícil, mas não impossível, principalmente se houver organização entre todas as classes de trabalhadores que participam do processo, incluindo enérgica participação das secções governamentais.

Voltemos à lista: nove obras e tão somente uma do gênero poesia. Repito o que havia dito: apesar de discordar do peso do Vestibular sobre o ensino atualmente, essa instituição molda, na mente das pessoas, grande parte da visão sobre a cultura nacional e estrangeira. Inegavelmente, a lista dos próximos três anos mostrará uma cultura extremamente limitada e que calca sobre um só ramo, caminho cujos riscos não sabemos claramente. Mas um aspecto está muito claro: a Literatura está sendo desvalorizada pelos próprios Senhores Mandatários que deveriam valorizá-la; se acaso acham que jorram valor nas Letras com essa lista na qual a redundância e a escassez são as maiores características, de nada adianta botarem os livros-medalhões numa lista e jogarem nas provas perguntas para as quais as respostas não necessitam da leitura de uma linha sequer das obras solicitadas.

Abraços,
Cardoso Tardelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário