quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros - Parte VIII

Caros leitores do Sacrário das Plangências, nesta seção do estudo Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros, passaremos por alguns autores que basicamente escreviam em língua francesa (algo comum para a época, assim como poetas contemporâneos brasileiros que escrevem somente em Inglês), além de outros grandes poetas que tiveram grande importância na divulgação, inclusive social, do movimento. Para não fugir do descobrimento dos simbolistas, mas também não beirar o absurdo da erudição forçada, os poetas que só escrevem em Francês terão a biografia relatada, mas não as obras.

POETAS SIMBOLISTAS:

João Itibirê da Cunha (1870 - Cerro Azul, PR - 1953 - Rio de Janeiro):

Poeta e compositor musical, com dez anos foi estudar na Bélgica. Após um Ensino Regular com célebres personalidades europeias (os então futuros Rei Alberto e cardeal Merry del Val), matriculou-se na Universidade de Bruxelas, instituição na qual doutorou-se em Direito, além de ter sido colega de Maurice Maeterlinck, um dramaturgo, poeta e ensaísta Simbolista, considerado um dos maiores do movimento mundial. Durante a estadia na Europa, participou de publicações decididamente Simbolistas, publicando um volume totalmente em Francês - Préludes - sendo apoiado e elogiado pelas célebres mentes da época, inclusive por Maeterlink e do português Eugênio de Castro, um dos maiores Simbolistas lusitanos. Com vinte e três anos, portanto, em 1893, voltou para o Brasil, indo para Curitiba, mudando-se logo para Assunção, no Paraguai, como secretário da legação. Em 1898 abandonou a diplomacia em definitivo para dedicar-se ao jornalismo, chegando a ser o redator solitário do jornal L'Étolie du Sud, órgão da colônia francesa. Fora João Itibirê um exímio crítico musical, além de ter sido um essencial personagem nas letras brasileiras pelo fato de ter trazido muitas novidades europeias à nossa plaga, constituindo a sua imagem à de uma fonte de novidades aos Simbolistas brasilianos. Como compositor, deixou peças para piano, e canto e piano. Fora um membro fundador da Academia Brasileira de Música.

Pethion de Vilar (1870 - Salvador - 1924 - Salvador):

Versificador de nível espetacular, apesar de desdenhoso para com o rigor de técnica poética e dos cuidados estritos com os pormenores do engenho, foi um dos maiores sonetistas do movimento, talvez por ter, em seu alicerce cultural, tanto o movimento brasileiro e francês quanto o português, movimento último que para muitos Simbolistas da primeira geração era desconhecido. Com certa tendência parnasiana, como era comum a muitos da primeira geração, tinha um grande poder descritivista. Apesar de ter obtido uma grande fama nos meios literários durante a sua vida, teve os seus poemas, em grande parte, publicados somente por meio de jornais, sendo, quatro anos após a sua morte, reunidos nas "Poesias Selecionadas", publicadas em Lisboa.

SONETO PARA O SÉCULO XX

Dizem que a arte de Goethe é uma arte anacrônica
Coeva do mamute e das larvas primárias;
Que Homero não passou de uma abantesma trágica
Vislumbrada através de névoas milenárias;

Dizem que todos nós lembramos uns ridículos
Idólatras senis de coisas funerárias,
E andamos a colher - incuráveis maníacos -
Em cinzas hibernais, flores imaginárias;

Dizem que a Poesia há muito está cadáver;
Que a rima faz cismar num guizo de funâmbulo,
Monótono, a tinir no trampolim do Verso...

Que importa? se bendita, essa loucura mística
Entorna em nossa Mágoa o leite do papáver
E abre à nossa volúpia o azul de outro Universo?
1899

(Em Poesias Escolhidas)


GLOSSÁRIO:
Coeva: Contemporânea.
Abantesma: Fantasma.
Papáver: Família das plantas das quais são extraídos a dormideira, planta que produz o Ópio.


MARINHA

Desce a Noite enrolada em brumas hibernais...
Trágica solidão, vago instante sombrio,
Em que, tonto de medo, o olhar não sabe mais
Onde começa o mar e onde acaba o navio.

Nem o arfar de uma vaga: o mar parece um rio
De óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,
Num zimbório de chumbo acaçapado e frio,
Escondendo no bojo a alma dos temporais.

Nem das águas no espelho o reflexo de um astro...
Apenas o farol, no vértice do mastro,
Rubra a pupila, a arder, dentro de uma garoa...

E lá vai o navio, espectral, lento e lento,
Como um negro vampiro, enorme e sonolento,
Pairando sobre um caos de tênebras, à toa.

1900

(Em Poesias Escolhidas)

GLOSSÁRIO:
Zimbório: Parte superior, curva, que concluem a uma cúpula de uma grande construção.
Acaçapar: Esconder.
Bojo: Saliência arredondada; Fig: âmago, cerne.
Tênebra: Treva.

Freitas Vale - Jacques d'Avray  (1870 - Alegrete - RS - 1951 - São Paulo):

(Na foto: Vila Kyrial)


Autor com poucas obras em Português, Jacques d'Avray fora um dos grandes alicerces do movimento Simbolista paulistano. Cursando a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, tinha como residência a "Vila Kyrial", casa em que se reuniam vários escritores, fossem eles do movimento Simbolista ou não. A descrição de Andrade Muricy para a "Vila Kyrial" é a seguinte: "Instalada e decorada à maneira fin-de-siécle, cada sala dedicada ao nome dum grande poeta simbolista, Jacques d'Avray nela recebia todos os artistas e literatos de merecimento de passagem por São Paulo ou ali residentes. Ir à "Vila Kyrial" era peregrinação quase ritual para a elite da inteligência, fossem quais fossem as suas tendências estéticas ou político-artísticas". Freitas Vale foi um grande amigo de Alphonsus de Guimaraens, tendo este lhe dedicado o livro Câmara-Ardente, de 1899. Enfim, apesar de um poeta de médio peso no Simbolismo, socialmente fora Freitas Vale - ou Jacques d'Avray - um elemento essencial para a construção do movimento Modernista Paulistano, pois a "Vila Kyrial" era a vila dos nefelibatas e dos então futuros modernos. Sobre "Vila Kyrial", que foi demolida em 1961, há um relativamente recente livro de Márcia Camargos (com a grafia de "Villa", qual a da época), lançado pela editora Senac.

Francisca Júlia (1871 - Eldorado - SP - 1920 - São Paulo):


Notadamente mais conhecida pela a sua fase parnasianista, dado que não caminha conjuntamente com a qualidade das duas poéticas que encontramos na obra de Francisca Júlia, foi notoriamente uma das figuras mais célebres das nossas letras durante a transição do Século XIX para o XX. Como notou Andrade Muricy, a produção Simbolista de Francisca Júlia foi posta a lume pelos jornais da época antes de Cruz e Sousa lançar os livros que são dados como a inauguração do movimento no Brasil (Missal e Broquéis, de 1893) e no mesmo ano, 1890, em que Alphonsus de Guimaraens publicava na imprensa paulistana os seus primeiros textos, que formariam a base de seus primeiros livros. O Parnasianismo de Francisca Júlia, apesar de ótimo e, em muitos textos, superior ao da célebre tríade, configura-se numa "ilha de sua produção poética", como defendeu Andrade Muricy, pois, fora os poucos textos parnasianos que foram alçados ao céu, o resto de sua produção tinha grande tendência mística, moral e sugestiva. Para uma análise mais profunda do panorama de Francisca Júlia na literatura brasileira, clique aqui para ler o post O Caso de Francisca Júlia em Nossas Letras.


NOTURNO

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula de incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de um misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha...

E enquanto paira no ar esse rumor de calmas
Noites, acima dele, em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.

(Em Poesias, de 1961)

GLOSSÁRIO:
Saltério: Hinários de Israel, ou seja, os salmos.
Estrige: No caso, coruja.
Lausperene: Adoração permanente ao Santíssimo Sacramento.

DE JOELHOS

A Santa Teresa

Reza de manso... Toda de roxo,
A vista no teto presa,
Como que imita a tristeza
Daquele círio trêmulo e frouxo...

E assim, mostrando todo o desgosto
Que sobre sua alma pesa,
Ela reza, reza, reza,
As mãos erguidas, pálido o rosto...

O rosto pálido, as mãos erguidas,
O olhar choroso e profundo,
Parece estar no Outro-Mundo
De outros mistérios e de outras vidas...

Implora ao Cristo, seu Casto Esposo,
Numa prece ou num transporte,
O termo final da Morte,
Para descanso, para repouso...

Salmos doridos, cantos aéreos,
Melodiosos gorjeios
Roçam-lhe os ouvidos, cheios
De misticismos e de mistérios...

Reza de manso, reza de manso,
Implorando ao Casto Esposo
A Morte para repouso,
Para sossego, para descanso

D'alma e corpo, que se consomem,
Num desânimo profundo,
Ante as misérias do Mundo,
Ante as misérias tão baixas do homem!

Quanta tristeza, quanto desgosto
Mostra n'alma aberta e franca,
Quando fica, branca, branca,
As mãos erguidas, pálido o rosto...

O rosto pálido, as mãos erguidas,
O olhar choroso e profundo,
Parece estar no Outro-Mundo
De outros mistérios e de outras vidas...

(Em Poesias, de 1961)


MUDEZ*

Já rumores não há, não há; calou-se
Tudo. Um silêncio deleitoso e morno
Vai-se espalhando em torno
Às folhagens tranquilas do pomar.

Torna-se o vento cada vez mais doce...
Silêncio... Ouve-se apenas o gemido
De um pequenino pássaro perdido
Que ainda espaneja as suas asas no ar.

Ouve-me, amiga, este é o silêncio, o grande
Silêncio feito só de sombra e calma,
Onde, às vezes, noss'alma,
Penetrada de mágoas e de dor,
Se dilata, se expande,
E seus segredos íntimos mergulha...
Prolonga-se a mudez: nenhuma bulha;
Já se não ouve o mínimo rumor.

Esta é a mudez, esta é a mudez que fala
(Não aos ouvidos, não, porque os ouvidos
Não conseguem ouvir estes gemidos
Que ela derrama, à noite, sobre nós)
À alma de quem se embala
Numa saudade mística e tranquila...
Nossa alma apenas é que pode ouvi-la
E que consegue perceber-lhe a voz.

Escuta a queixa tácita e celeste
Que este silêncio fala a ti, tão triste...
E hás de lembrar o dia em que tu viste
Perto de ti, pela primeira vez,

Alguém a quem disseste
Uma frase de amor, de amor... ó louca!
E que, no entanto, só mostrou na boca
A mais brutal e irônica mudez!

(Em Poesias, 1961. É um dos casos do Simbolismo de F. Júlia datado de 1890)

* Acerca de "Mudez", podemos falar que mesmo Mário de Andrade, que não era adepto do movimento Simbolista e tampouco do Parnasiano, escreveu, após lê-la, que tratava-se "talvez de uma das melhores poesias da literatura brasileira".


Caros leitores do Sacrário das Plangências, finda está aqui a oitava parte do estudo. A cada seção, mais evidente torna-se o fato de que um movimento literário não se faz somente de grandes poetas, mas de figuras que na sociedade se expandem, levando o movimento e a cultura afora. O motivo pelo qual o Simbolismo "não vingou" em tese seria explicado pelo surgimento dos Modernistas, muitos vindos do movimento nefelibata ou minimamente influenciados por ele, mas o erro da tese se inicia a partir do momento em que digo que o movimento Simbolista foi falho: se nasceu da cultura fina e introspectiva, e desaguou no movimento que recebeu o laurel de todo um povo, teve seu Signo traduzido de forma ou outra ao coração dos seres - e o Símbolo do mistério nunca morreu e nem há de.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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