sábado, 4 de fevereiro de 2012

A Obsessão por Originalidade e a Suposta Pobreza da Poesia Brasileira

Caros leitores do Sacrário das Plangências, esta postagem tem, por certo, uma temática das mais complexas e controversas que há no mundo das artes. Usarei dois textos como base para a discussão, um que está no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Muricy, quando este discorria dos motivos da inclusão de Augusto dos Anjos no Panorama, e um presente na introdução do livro do poeta simbolista José Severiano de Resende, na publicação mais recente que há - O Hipogrifo, São Sebastião e Outros Poemas e Prosa; Ed. Barcarolla, 2004. Ambos textos cingem a temática exposta no título deste tópico, que, por si somente, já ganha vida própria, pois a obsessão por originalidade, normalmente feita pela crítica, molda uma pobreza insistente na literatura do país, consequente da busca pelo um novo que nunca é reproduzido, portanto, que é estéril.

Eis o texto de Andrade Muricy acerca de Augusto dos Anjos e sua evidente colocação no Simbolismo, principalmente quando posto em comparação com Cruz e Sousa:

"Já se está ultrapassando, entre nós, o horror às aproximações, às comparações, à pesquisa de filiações e do entrecruzamento de influências tão fecundas na Literatura, e aliás em todas as demais Artes. Esse estudo de genérica literária restitui à Literatura a sua verdadeira universalidade humanística,  retirando-a dos exclusivos critérios nacionalistas e individualista, e da obsessão da "originalidade", tão esterilizadora."

Já o texto presente na mais atual edição de uma obra de José Severiano de Resende (poeta que consta na parte IX do estudo Um Descobrimento dos Simbolistas Brasileiros, deste blog), escrito por C. Giordano, assim nos aparece:

"Esquecido da crítica e consequentemente não-reeditado, depois de resenhado no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro (v. II, p. 65-74), de Andrade Muricy, terá tido apenas duas tentativas de relembrança.
O poeta, historiador e acadêmico de fina sensibilidade Alberto da Costa e Silva em 1957 publica na Revista do Livro (n. 6, p. 65-72), o artigo "José Severiano de Resende e alguns temas de sua poesia", discorrendo, além do que explica o título, sobre a vida de José Severiano. (...) O articulista fecha sua excelente leitura da poesia de José Severiano nestes termos:

Numa poesia pobre como a nossa não se deve relegar ao esquecimento o nome de José Severiano de Resende. Os seus melhores poemas possuem uma densidade, uma verdade interior, uma grandeza de visão que raramente encontramos nos trabalhos de nossos poetas.
(...)"


(Na foto: Augusto dos Anjos)

Temos, portanto, uma abordagem aparentemente distinta sobre dois poetas: Augusto dos Anjos,  reconhecido como um dos melhores poetas brasileiros, mas raramente posto como Simbolista, estilo no qual a sua poética melhor se encaixaria; José Severiano de Resende, pouco conhecido, mas, acerca de seu nome, no texto é feito um apelo pelo seu relembramento como poeta de destaque na "pobre literatura brasileira". Mas, em si, ambas abordagens cingem o vulto do esquecimento a que se refere o historiador Alberto da Costa e Silva e, para evitá-lo, a esterilização de um poeta.
Muito me parece que Augusto dos Anjos é posto solitário nas Letras para dar lume à sua qualidade artística e não o jogar ao limbo a que fora fadado o Simbolismo após muito esforço dos críticos. São tentativas falaciosas de envolvê-lo no manto da ausência de rastros influenciários (que vão desde Baudelaire, passando por Cruz e Sousa e até indo por nossos parnasianos, como era comum em alguns Simbolistas), e delegando-o a precursão de movimentos que viriam muito posteriormente ao seu Eu, o que é de certa forma um anacronismo. No caso de José Severiano da Silva, há uma discussão, inclusive, se o vocabulário requintado de sua obra não prejudicou a sua popularidade; se assim o fosse, Augusto dos Anjos, de vocabulário extenso, difícil, erudito, nunca teria a popularidade que tem hoje. A desvinculação de Augusto com um estilo favoreceu a sua fama após o movimento Moderno, o que não aconteceria com outros Simbolistas e Parnasianos, como o próprio José Severiano.

Quando me referi, no início do tópico, que a "obsessão por originalidade" levava à percepção de uma literatura pobre, referia-me exatamente às duas interpretações expostas. Negar as influências, o passado da humanidade e a própria humanidade em si contida, seria negar a evolução da Arte e o próprio nexo de sua existência. Não obstante, no Brasil, após o fluxo de patriotismo e moldagens de ideias de nação no Romantismo e da falácia de uma arte essencialmente brasileira exposta em 1922 e nos movimentos subsequentes, o conceito "esterilizante" da arte foi retomado como nunca antes fora, tendo como certa postura estética o artista "livre em sua escolha", sendo que a escolha por uma estética mais formal era vista com maus olhos (ora, quantos neo-Simbolistas não tiveram de abandonar o estilo mais clássico para serem vistos e aceitos pelos seus contemporâneos literatos?), sendo evidente, portanto, que a liberdade geral era condicionada à ausência de uma postura fixa de um ser.


(Na pintura de Belmiro de Almeida: Severiano de Resende)

A pobreza de nossa Literatura, principalmente a antiga, é falaciosa, principalmente partindo do princípio de que ela é mais jovem do que as Literaturas Europeias, alicerce de comparação de muitos. Julgar que o movimento Romântico foi pobre, assim como o Colonial, Parnasiano ou o Simbolista e etc é um grande erro, pois, apesar de existirem os poetastros, haviam vários outros que compunham os movimentos, que são sociais e históricos também, e que deveriam ter destaque. O que poderíamos salientar é a pobreza da Literatura após a década de 60 do Século XX no Brasil, podendo-se destacar no máximo três nomes que surgiram nessa época. Essa pobreza acompanha a falta de exigência do público, que prefere, cada vez mais, o óbvio ao subjetivo, por conseguinte, dão preferência à lei do menor-esforço.

A postura de "esterilização" sobre certos autores que é tomada por alguns acadêmicos parece-me também muito oportunista. É muito fácil analisar a singularidade que em cada obra é evidente (ora, estamos analisando Movimentos, mas que são constituídos por mentes de diferentes seres, mesmo que convergentes) e fabricar novos Estilos para conseguir, finalmente, ter algum tema para teses de Mestrado ou Doutorado. Poderíamos chamar isso de Esterilização-Acadêmica, que raramente é vista como falha, mas normalmente como um descobrimento de um mistério inexistente nas entrelinhas, entre os brados e lauréis da Academia. Como Andrade Muricy pontuou - e repito o trecho - "Já se está ultrapassando, entre nós, o horror às aproximações, às comparações, à pesquisa de filiações e do entrecruzamento de influências tão fecundas na Literatura, e aliás em todas as demais Artes (...)"; mas, ao contrário do que Muricy pensou, o movimento esterilizante só piora, e por motivos banais, hediondos. Muitos podem argumentar que é na Academia que surgem os trabalhos que resgatam grande parte da Literatura - de acordo -, mas, ao fazê-lo, por qual deturpação que não passam alguns autores e alguns estilos?

Aos artistas, cabe-se a busca por uma Arte pessoal, nova, que flua dentro de um parâmetro em que se aceite água de fontes várias. Aos críticos e acadêmicos, cabe-se o findar do terror aos chamados "clichês temáticos", que, muitas vezes, não passam de demonstrações contínuas de humanidade, em sua perpétua aparição nas sociedades. Esses "clichês" levam, muitas vezes, à obsessão por originalidade e, após um raso fitar na arte do país, à conclusão de que pouco há na arte de original, na quintessência da palavra, carregando muitos a injustiças contra os artistas nacionais em detrimento dos internacionais, osculados pela glória do desconhecimento.

Abraços,
Cardoso Tardelli

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