sábado, 24 de novembro de 2012

Stefan George, o maior Simbolista Alemão, e o Dodecafonismo

Caros leitores do Sacrário das Plangências, a postagem de hoje refere-se ao maior poeta Simbolista da Alemanha - Stefan George (1868-1933) - à qual influência agradecem os movimentos Dodecafônico, na música, e Modernista, na Poesia (Rainer Maria Rilke, Yeats, por exemplo), não limitando-se, porém, a sua influência aos âmbitos da arte - vide a tentativa do estado Nazista de utilizar a imagem de Stefan em prol do novo estado, plenamente negado pelo poeta; além desse fato, que, aliás, não afetou a imagem do poeta, um dos discípulos de Stefan George, Graf von Stauffenberg, praticou um dos atentados mais conhecidos contra Hitler, em 1944, conhecido como "Atentado de 20 de Julho".

Lembremos que, segundo o estudioso francês Roger Bastide, Stefan George estava na tríade simbolista ao lado do francês Stéphane Mallarmé (com quem conviveu em sua juventude) e do brasileiro Cruz e Sousa. Tanto o francês quanto o brasileiro obtiveram influências além do parnaso - vide a representativa imagem que Cruz e Sousa deixou de uma sociedade que, apesar de viver "sem escravidão", ainda tinha alicerçada em seus meios culturais, científicos e laborais o escravismo - desaguando o preconceito étnico.

Talvez o peso cultural de Stefan George fosse tão forte a consequência natural de sua poesia era atingir todos os ramos da vivência, inexoravelmente. Mesmo praticando um verso aristocrático, breve e sugestivo, como era típico do estilo, a fama do poeta de "Hyperion" só cresceu com o passar dos anos. Como julgou Eduardo de Campos Valadares, tradutor da atual edição de "Crepúsculo" (Editora Iluminuras), reunião das poesias de Stefan George, a poesia do maior Simbolista alemão "se destaca por sua atualidade e transcendência, manifestas na escolha de temas universais. Entre outros, cabe mencionar o sentimento de perda e o perigo persistente que ronda a humanidade".

Mas, talvez, a mais curiosa influência dele, como já citado fugazmente, fora na música - e numa revolução musical. Poeta melodioso, de rimas e aliterações espalhadas por todos os versos de maneira não singular, influenciou o compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) a criar o Dodecafonismo - um sistema atonal que, apesar de ter, posteriormente, algumas regras, cultuou, em seu início, o uso livre dos doze semi tons da escala. A obra "Opus XIV/I" nada mais é que o poema "Nem grato a ti devo me curvar" musicado. Assim como a "Opus XV" - que é o Livro dos Jardins Suspensos musicado.

Eis o Opus XV - Livro dos Jardins Suspensos:

E  longo poema musicado neste Opus XV, em tradução de Eduardo de Campos Valadares (em "Crepúsculo", editora Iluminiras, 2012) :

Canções - Stefan George

I

Onde a folhagem é proteção
E a neve finos flocos de luz -
Soam ecos de lamentação -
A boca de barro do dragão
Cospe raios e a fonte reluz -
Fora o regato agora murmura:
O arbusto arde em inanição - 
Projeta na água sua alvura.

II

Neste éden repetido
Mata alterna chão florido
Átrio - muro colorido.
Cegonhas iscas capturam
lago onde peixes cintilam -
Montes de aves como mato
Em cimas dos cimos trinam
E os juncos ao sol murmuram -
Mas meu sonho busca o inato.

III

Como iniciante entrei em teu recinto
Nenhuma surpresa antes tinha tido -
Nenhum desejo até ver-te consinto.
Vê nas mãos jovens as marcas com graça -
Elege-me servo em todo sentido
E serenamente recebe e abraça
Quem tropeça ainda em tal labirinto.

IV

Com meus lábios imóveis a arder
Percebo aonde levou meu ardor:
A um domínio de imenso esplendor.
Talvez sem saber fugas conceber -
E algo através das grades a me espreitar
Pus-me logo de joelhos sem pudor
Como fosse me buscar ou acenar.

V

Dizei-me qual das veredas
Ela hoje irá percorrer -
Para que macias sedas
Na mais rica arca alcance -
Rosa e violeta entrance -
Meu sorriso possa ver -
E também os pés descanse.

VI

Toda obra me causa exaustão.
Invoco-te com a pretensão -
De intuir nova conversação -
O trabalho e o ganho o sim e o não -
Apenas isso é afirmação
E o pranto pois a imagem não se doma -
Que na escuridão mais bela assoma -
Quando o dia claro entra em ação.

VII

Esperança e medo em mim se alternam -
Minha voz se transforma em gemido -
Uma saudade tal qual prurido
Que me deixa insone na agonia
Que em meu leito lágrimas se internam
Que recuso qualquer alegria
Que nenhum consolo me alivia.

VIII

Se hoje teu corpo eu não tocar
Romperá o frio de minh'alma
Como nervo distendido.
Carícia é a fúnebre flor
Deste que sofre por ti no amor.
A injusta pena manda sustar -
Brisa a minha febre alta acalma
Pois deliro aqui estendido.

IX

Duro e frágil nosso amor -
Que vale um beijo ligeiro?
Uma gota do aguaceiro
No deserto abrasador
Que a engole com abastança -
Alívio tão sorrateiro
E ante o brio novo avança.

X

O belo canteiro vislumbro mudo -
Cercado de espinho púrpura-escuro
Vê-se ali o botão de esporo obscuro
Pendem plantas com plumas de veludo
E arredondadas tufas verde-água
Dentro das alvas campânulas-sorriso -
Súbito as bocas impregnadas d'água
São os doces frutos do paraíso.

XI

Quando por trás do portão florido
Sentindo apenas nosso pulsar
A paz tão almejada alcançamos?
Como um par de juncos desvalido
Mudos começamos a tremer
Ao leve acariciar
Nosso olhar a se perder -
Assim por muito tempo ficamos.

XII

Se na relva alta imersos em paz
Nossa fronte entrelaçamos nas mãos -
Sublima a veneração a vontade:
Não pensem a sombra vil e vivaz
Disforme ao se projetar nos vãos -
E a guarda que iriam nos separar
Nem toda areia que afronta a cidade
Faria nossa paixão aplacar.

XIII

Atrás tens a relva em encantamento
Na margem - o leque de pontas duras
Coroa-te o rosto com luzes puras
E em voltas brincas com teu ornamento.
Já no barco a abóbada das folhagens
Atesta a tua recusa em subir...
Vejo a alga que fundo tende a ir
E dispersas n'água flores selvagens.

XIV

Não mencione
A folhagem -
Leva a aragem -
E as facetas
A cilada -
E a chegada
Da dor fria
Tarde no ano.
E no ar
Borboletas
Ao troar
A luz-viva
Brilho insone
É insano.

XV

Povoamos os noturnos breus
Folhas - trilho - horizontes e jardim
Os risos seus os sussurros meus -
Agora sim eis enfim o fim.
Flores empalacem ou fenecem -
Treme a face do lago pálido
Piso em falso no prado esquálido -
Os dedos com espinho intumescem.
A arfante folhagem ressecada
Golpeia com mão invisível
Acima o céu não é mais visível.
A noite está nublada e abafada.


É um poema no qual a variação musical, seja por meio da métrica ou do posicionamento das rimas (que também são internas), é evidente e de um engenho admirável. Nas quinze estâncias as imagens formam-se de maneiras confessas, semi-descritivas (somente na última que a descrição eleva o tom), e de tom um contemplativo, à maneira neo-romântica dos Simbolistas.
Mas eis o que é representativo: como em todos os países em que atuou, o Simbolismo calcou certa revolução para o futuro da arte, pois, mesmo tendo um estilo clássico - de certa forma - tinha um ar revolucionário e atemporal sobre o qual o truculento Século XX precisou se basear, de maneira absoluta, para fixar os seus alicerces de arte.

Abraços,
Cardoso Tardelli

2 comentários:

  1. muito interessante. Faz algum tempo que tenho a curiosidade de ler esse poeta, não sabia que a Iluminuras o tinha publicado.

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  2. Estou lendo a tradução do Eduardo Valadares. Grande obra!

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