quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Algumas Feições da Poesia Simbolista de Da Costa e Silva

Caros leitores do Sacrário das Plangências, como sugerido pelo leitor Davi - do blog Outros Poemas -, faz-se necessário um post único sobre o poeta piauense Da Costa e Silva (1885-1950) por vários aspectos, que passam desde o fato dele ter sido um poeta político (entre 1931 e 1945, ficou à disposição do governo de Getúlio Vargas) - desarmando as críticas de que o Simbolismo e o seus autores se punham alheiamente ao papel político e social (até hoje, em livros acerca desses autores - ou até livros didáticos ou paradidáticos -, lê-se tais comentários) até o fato dele ter sido um dos mais virtuosos poetas do Neo-Simbolismo e de nossa belle époque. O piauiense chegou a publicar um livro com fortes influências parnasianas, Zodíaco, de 1917. A sua obra com maior feição Simbolista, Sangue, já o havia colocado na história do movimento, mas os livros Pandora e, principalmente, Verônica, colocariam-no em um pouco acima de outros do estilo, inclusive por se desprender dos "tiques" do movimento, criando feição particularíssima.

(Na foto: Antônio Francisco da Costa e Silva)

Falemos, em primeiro lugar, de seu Sangue, publicada em 1908, que obteve um enorme sucesso à época. Segundo Andrade Muricy, "a influência de Cruz e Sousa assinala-se em Sangue, mas sem nenhuma literalidade. Sangue é um dos melhores livros, e o primeiro cronologicamente, da última geração simbolista (...)". Sangue é por si só equiparável aos grandes de sua geração, como, por exemplo, A Divina Quimera, de Eduardo Guimaraens, e Vida Extinta, de Felipe d'Oliveira. Ambos, de um simbolismo mais à Maeterlinck, de uma graciosidade sutil e aérea, marcaram o terreno nas letras brasileiras, nesse simbolismo tão peculiar que foi o gaúcho; Da Costa e Silva, de um simbolismo mais forte, de imagens mais à procela romântica de Edgar Poe (autor citado pelo piauiense até o último livro), nos deixou também a bela herança de um regionalismo místico, saudosista, antes visto somente nos Portugueses ou em nosso Casimiro de Abreu.  

Segundo Marly Gondim Cavalcanti Souza, em sua tese de Doutorado pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) - O Universo Sonoro de da Costa e Silva -, na obra de Costa e Silva "vemos brotar a música do torrão dacostiano, exemplificada pelo “aboio” do vaqueiro, reunindo o gado no fim do dia; o canto das lavadeiras, na beira do  rio, realizando seu ofício de todo dia; a música popular executada na festa do Carnaval, fonte de alucinação; também a música européia das Valquírias de Wagner, dos instrumentos musicais (clarins, cornetas, flautas, lira, zabumbas e sinos) e os hinos religiosos cristãos introduzidos no Brasil a partir da colonização (...)". O próprio crítico José Guilherme Merquior, em um texto anterior à edição de "Poesias Completas", de 2000,  disse que Da Costa e Silva constitui-se em um "grande músico do verso".

Podemos dizer, também, que Da Costa e Silva, pleno dominador da musicalidade do estro, conseguiu, em sua poesia, uma amplitude além da estética do Simbolismo clássico. Atingir realizações como "Madrigal de um Louco", poema no qual aliou de maneira magnífica a forma visual, a música e o tema da obra (vejam que o romântico Fagundes Varela já havia escrito um poema em forma de cruz ("Sublime Cruz") e também no próprio Simbolismo há o caso do poeta sergipano Hermes Fontes, autor dos versos "Pouco acima daquela alvíssima coluna...", que toma a forma de uma taça de vinho - segundo o poema, a "taça que encerra por suma graça tudo que a terra de bom produz". Vejamos o clássico poema "Madrigal de um Louco":


MADRIGAL DE UM LOUCO

Lua!
Camélia
Que flutua
No azul. Ofélia
Serene e dolente,
Fria, vagando pelas
Alturas, serenamente,
Por entre os lírios das estrelas,
Santelmo aceso para a Saudade,
Luz     etérea,    sinfônica,     perdida
Entre os astros de ouro pela imensidade
Esfinge da ilusão no deserto da vida!....
Lâmpada do Sonho, lívida, suspensa...
Vaso espiritual dos meus cismares,
Sacrário pulcro de minha crença,
Ó rosa mística dos ares!....
Unge meu ser na apoteose
Da tua luz, e eu frua,
Cismando, a pureza
Da luz e goze
Toda a tua
Tristeza,
Lua!


O "Madrigal de um Louco" é um dos poemas mais citados do Simbolismo brasileiro atualmente - ganha cada vez mais força - talvez pela a sua forma excêntrica, de losango, talvez pela forma com que cada palavra admita um valor interpretativo, maior, em vez do que simples sinônimos postos em ordem para contemplar uma ideia e uma musicalidade, indo além até mesmo de alguns grandes poemas do Simbolismo brasileiro.

Suponho, também, que um dos poemas mais tocantes de Costa e Silva, pelo seu viés popular, seja "Saudade". Era comum no estilo tratar a saudade como algo além-mundo, como uma sina, um fado etéreo intrínseco ao poeta, que abre os braços sem renegação às nostalgias tristonhas quer queira de onde elas viessem. Mas, diante de um soneto como o "Saudade" de Costa e Silva, vemo-nos diante de uma nostalgia da terra materna, do berço em que o poeta cresceu. O poeta não se absteve da utilização de símbolos, de tiques do estilo, apesar de condizentes ao poema, mas evidentemente é um poema diferenciado no Simbolismo brasileiro.


SAUDADE

Saudade - olhar de minha mãe rezando 
E o pranto lento deslizando em fio 
Saudade amor da minha terra... o rio 
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho. O caboré com frio, 
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando... 
E à noite as folhas lívidas cantando 
A saudade infeliz de um sol de estio.

Saudade - asa de dor do pensamento 
Gemidos vãos de canaviais ao vento... 
Ai, mortalhas de neve sobre a serra.

Saudade - o Parnaíba - velho monge 
As barbas brancas alongando... e ao longe 
O mugido dos bois da minha terra... 


Costa e Silva, apesar de ser um influenciado por Cruz e Sousa, não chegou a ser, como muitos no Brasil, um poema sem personalidade musical ou retórica. O soneto "Não Desejes, nem Sonhes..." transcorre em um pensamento muito claro, sem as evocações típicas da poesia cruziana. De certa forma, Raul de Leoni, que viveu na mesma época de Costa e Silva e também obteve grande destaque com o seu Luz Mediterrânea (1922) também se destacava, em seus poemas com feição simbolista, pela retórica serena, clarividente, com uma perspectiva de análise temporal e espiritual profunda. O soneto que transcreverei a seguir é presente em seu Verônica.

NÃO DESEJES, NEM SONHES...

Não desejes, nem sonhes, alma incauta, 
Que a ilusão tem o encanto da sereia, 
Que em noites aromais de lua cheia 
Seduz e perde, em alto-mar, o nauta.

Feliz daquele que os seus atos pauta 
Dentro dos dons da vida que o rodeia, 
E acha o leito macio e a mesa lauta 
Na indiferença da fortuna alheia.

Feliz de quem, da vida para a morte, 
Embora pobre, de pobreza triste, 
Se contenta, afinal, com a própria sorte.

Se há ventura no mundo, essa consiste, 
Talvez, em suportar, de ânimo forte, 
A renúncia de um bem que não existe.


Talvez um dos poemas mais claros de Costa de Silva, no que se refere ao ponto de certo "minimalismo" da poesia, é o curto, mas excelso, "As Horas", presente também em Verônica:

As Horas 

As Horas cismam no ar parado: 
— Passado.

As Horas bailam no ar fremente: 
— Presente.

As Horas sonham no ar obscuro: 
— Futuro.


Outro trabalho que merece especial atenção, principalmente no que se refere à cuidadosa forma dos decassílabos e ao perfeito deságue da temática proposta, é o soneto Vanitas Vanitum:

VANITAS VANITATUM

Não fujas ao destino, nem te afastes
Da rota que te foi traçada um dia,
Que a vida de surpresas e contrastes
Tem de ser fatalmente o que seria.

O tempo, inutilmente, não no gastes
Em rumo oposto à estrela que te guia;
Mas segue em tudo o verbo do Eclesiastes,
Profundo e amargo de sabedoria.

Não te afoites de encontro à própria sorte,
Porque, sendo imutáveis, são eternas
As leis da vida como as leis da morte;

E, se as tuas vaidades tanto externas,
Não pensas que, sendo homem, não és forte
E que, sendo mortal, não te governas.

No Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, Andrade Muricy cometeu, em minha visão, uma das suas mais equivocadas análises. Ao chamar Da Costa e Silva, após Verhaeren, de um poeta "frio e analítico", levou em consideração somente a feição pós-romântica do Simbolismo, ou aquela poesia sub-consciente de livre ligação de Ernâni Rosas, Rimbaud e Mário Sá-Carneiro, na qual um soneto como Vanitas Vanitatum seria simplesmente impossível, por ser demasiadamente "pensado", com um início, meio e fim, e não com imagens que levam a vários caminhos e vários fins para o mesmo poema. É fato que Da Costa e Silva cessou o abusivo uso de maiúsculas após Sangue (e, ora, Andrade Muricy, em seu Panorama, queixou-se que "só Cruz e Sousa soube usá-las sem abuso"), mas a perscrutação do mistério, a percepção do além, a "peregrinação do ser no tempo", todas as temáticas simbolistas estavam lá, desenvolvidas ao modo ímpar de Da Costa e Silva. 


Um dos exemplos que se pode utilizar contra esse vago adjetivo de frieza que Andrade Muricy colocou é o poema "Sombra e Névoa", da parte "Imagens do Sonho e da Vida", em Verônica.

SOMBRA E NÉVOA

Cai o crepúsculo. Chove.
Sobe a névoa... A sombra desce...
Como a tarde me entristece!
Como a chuva me comove!

Cai a tarde, muda e calma...
Cai a chuva, fina e fria...
Anda no ar a nostalgia,
Que é névoa e sombra em minh'alma.

Há não sei que afinidade
Entre mim e a natureza:
Cai a tarde... Que tristeza!
Cai a chuva... Que saudade!

E acerca da referida percepção temporal e espiritual de Da Costa e Silva, que se faça justiça com o seu último poema. É de uma rara beleza poética, imaginativa e temporal.

VELHA INTERROGAÇÃO

Passa a vida? Continua...
Porque o tempo é que flutua,
como um rio de veludo,
sobre todos, sobre tudo...

À sua margem sonhamos:
de onde vimos? aonde vamos?

E o destino indiferente
vai impelindo a torrente...

Passa a vida? Continua...
Com o tempo quem passa é a gente.
Mas, vida, se nós passamos,

de onde vimos? aonde vamos?

Da Costa e Silva, um dos maiores sonetistas brasileiros, (poucos dominaram o decassílabo com tanta perfeição como ele) necessita de um redescobrimento de toda a sua obra. As características de sua poesia, desde o seu Sangue até o Alhambra, livro publicado postumamente (e no qual havia poemas com estética já praticamente modernista, como "Carnaval"), são de serventia extrema aos poetas contemporâneos que buscam uma evolução tanto esteticamente quanto espiritualmente, pois, como o próprio Da Costa e Silva notou em sua Síntese, como referenciado por Oswaldino Marques, no prefácio das "Poesias Completas":

Tornei-me o espelho do mundo,
Desde que o meu pensamento
Ficou límpido e profundo
Como o azul do firmamento.

E isso já basta para sentirmos o que é simbólico na poesia ímpar de Da Costa e Silva.

Abraços,
Cardoso Tardelli

Um comentário:

  1. Nossa! muito bom! elegante!
    agradeço por ouvir o pedido deste humilde carioca!

    abração camarada!

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